Título: Reforma política continua a ser maior desafio
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2006, Nacional, p. A7

A reforma política é considerada por muitos analistas como a mais importante da agenda do próximo presidente, pelo simples fato de que ela provavelmente é decisiva para viabilizar todas as outras.

A última reforma importante que o Brasil fez foi a da Previdência dos servidores públicos, no início do governo Lula. Não por coincidência, suas votações estiveram entre aquelas em que supostamente parlamentares teriam recebido o mensalão para aprovar a proposta do governo. É um sinal da dificuldade de aprovar qualquer reforma no Brasil em um Congresso sem maiorias estáveis e no qual as coalizões políticas são corroídas pela profusão de partidos, pela infidelidade partidária e pelo grande número de deputados e senadores sem vínculos fortes com bases eleitorais nítidas.

Nestas eleições, já entraram em vigor cláusulas de desempenho que devem reduzir o número de partidos plenamente operantes no Congresso de 29 para algo entre 10 e 7. Mesmo com esse avanço, os analistas consideram que uma reforma política é essencial para aumentar a governabilidade. Se for realizada, ela envolverá temas como a fidelidade partidária, o sistema eleitoral e o financiamento público de campanhas.

O cientista político Nelson Rojas de Carvalho, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), explica que, no sistema eleitoral, existe uma necessidade de equilibrar a transparência e a proximidade do parlamentar com o seu eleitor, de um lado, e a proporcionalidade entre os votos e a representação dos partidos no Congresso, do outro.

O sistema brasileiro, de votação proporcional com listas abertas, maximiza a proporcionalidade, mas reduz muito a transparência e o vínculo entre o eleitor e o eleito. Na análise de Carvalho, essa é razão para o fato de que uma boa parte dos parlamentares brasileiros têm pouca ou nenhuma relação com grupos bem recortados de eleitores, elegendo-se mais em virtude de acordos com diversos chefes políticos em diferentes regiões de cada Estado. Evidentemente, esse tipo de deputado ou senador tem um padrão volúvel e oportunista de votos no Congresso, e não é um aliado confiável do governo para apoiar reformas difíceis.

O sistema distrital, puro ou misto, aumenta a proximidade entre eleito e eleitor. Carvalho nota, porém, que é difícil os atuais parlamentares aprovarem uma mudança que dificultará muito sua reeleição. Pensando nisso, o cientista político está finalizando uma proposta de um sistema com distritos com número variável de cadeiras que, segundo ele, garantiria uma transição mais suave e teria mais chances de ser aprovada.

O outro grande tema da reforma política, a fidelidade partidária, consiste simplesmente em proibir que um deputado ou senador troque de partido durante a legislatura. ¿O mandato tem de ser partidário, e não pessoal¿, diz Carvalho.