Título: `Luta entre islâmicos deve se espalhar¿
Autor: Ruth Costas
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2006, Internacional, p. A23

As rivalidades entre sunitas e xiitas, que têm agravado a violência no Iraque, darão a tônica da vida política em todo o Oriente Médio nos próximos anos. É o que afirma o cientista político iraniano Vali Nasr, de 46 anos. Um dos mais respeitados especialistas em conflitos sectários, Nasr é professor da Universidade Stanford, nos EUA, e pesquisador do Council on Foreign Relations, que edita a revista Foreign Affairs. Seu livro The Shia Revival: How Conflicts within Islam Will Shape the Future (O Renascimento Xiita: Como os Conflitos no Islã Definirão o Futuro) foi publicado nos EUA em agosto.

Como o conflito no Iraque está transformando o tabuleiro político do Oriente Médio? Há 140 milhões de xiitas no Oriente Médio. Eles são maioria no Iraque, Bahrein, Irã e Líbano e minoria nos outros países. A derrubada do regime sunita de Saddam Hussein trouxe esperança de mudança para grande parte dessas populações xiitas, que nunca haviam conseguido transformar seu peso demográfico em poder político. Isso impulsionou o fortalecimento dos xiitas no Oriente Médio, fenômeno que se reflete na consolidação do Irã como potência regional.

Quais são as conseqüências desse levante xiita? Os sunitas começam a se sentir ameaçados e devem reagir. A tendência é que nos próximos anos o confronto entre sunitas e xiitas defina o cenário político do Oriente Médio, como ocorre hoje no Iraque. O que antes era dissidência religiosa e questão de identidade está virando uma luta por poder, riquezas e território.

Transformar o Iraque em federação seria a solução para o problema da violência sectária? No longo prazo, talvez. No curto prazo, a divisão do Iraque em regiões semi-autônomas controladas por sunitas, xiitas e curdos intensificaria o confronto. As milícias sectárias tentariam estender a todo custo sua área de influência para levar vantagem no momento em que as linhas divisórias fossem desenhadas.

Já atingimos o ponto de uma guerra civil no Iraque? Se não chegamos a esse ponto, estamos muito perto. É claro que tudo depende do modo como se define guerra civil. Se considerarmos um conceito mais amplo, relacionado à dissolução de laços sociais e à luta pelo controle do poder, podemos dizer que o Iraque está no início de uma guerra civil, sim.

Qual seria o impacto dessa guerra nos países vizinhos? Outros países da região, como Irã, Arábia Saudita, Jordânia e Síria, tentariam apoiar seus aliados no Iraque e seriam arrastados para o conflito.

O Grupo de Estudos para o Iraque, ligado ao Congresso americano, quer que os EUA busquem a ajuda do Irã para resolver a questão iraquiana. O sr. concorda? Sim. Para ambos interessa um Iraque estável. Os americanos poderiam se retirar e dar sua missão por cumprida. Já o Irã teria um governo firme de maioria xiita como vizinho depois de décadas do regime sunita de Saddam.