Título: Europa está blindada contra nazismo, diz Kershaw
Autor: Marcos Guterman
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2006, Internacional, p. A24

O historiador britânico Ian Kershaw, um dos principais estudiosos do nazismo, alertou em seu livro Hitler - Um Perfil do Poder (Jorge Zahar, 1993), que o poder do führer foi ¿produto da colaboração e da tolerância, dos erros de avaliação e da fraqueza dos outros que detinham posição de poder e de influência¿. Em entrevista ao Estado, Kershaw reiterou sua advertência, mas salientou que ¿as estruturas pluralistas nos países europeus - certamente na Europa ocidental - são muito mais fortes do que no período entre as duas guerras mundiais¿. Dessa maneira, ele acredita que ¿ficou bastante difícil para que partidos de perfil fascista cresçam a ponto de dominar essas estruturas¿.

Essa segurança, no entanto, não isenta a Europa de responsabilidade no que diz respeito à questão da imigração, que alimenta o discurso neonazista. ¿O antagonismo de muitos países em relação à imigração - um problema que existe, mas que é inflado pela imprensa sensacionalista em alguns casos - contribuiu um bocado para o crescimento da direita, assim como a desilusão com os partidos tradicionais, sobretudo entre os mais jovens¿, afirma Kershaw. ¿Isso pode se agravar com a entrada de Romênia e Bulgária na União Européia.¿

Para o historiador, o governo da Alemanha está atuando de maneira mais ou menos adequada em relação aos neonazistas. ¿O Reino Unido conteve o movimento fascista nos anos 30 principalmente ao impor restrições de ordem social, vetando manifestações que pudessem resultar em violência. Como o movimento neonazista ainda é pequeno na Alemanha, este é possivelmente o melhor caminho.¿ Kershaw defende que o Partido Nacional Democrático (NPD) não seja banido. ¿Banir o partido seria, em minha opinião, um erro, porque isso simplesmente forçaria o movimento a se tornar clandestino, tornando a tarefa de vigiá-lo muito mais difícil. Além disso, daria mais motivos para protestos.¿

Por outro lado, o movimento neonazista atual parece ter aprendido que menos é mais, na opinião de Kershaw: quanto menor a associação com Hitler, maior é a possibilidade de não constranger seus simpatizantes e, dessa maneira, ampliar sua base de apoio. Além disso, para o historiador, o movimento entendeu que, para não ser banido, tem de respeitar, ao menos nominalmente, as demandas do regime democrático.

Isso não significa, porém, que os neonazistas não sejam mais violentos. ¿Ainda há uma grande incidência de violência, voltada sobretudo contra minorias e outsiders. As condições atuais são, claro, drasticamente diferentes daquelas quando os nazistas chegaram ao poder, e os neonazistas são ainda somente um pequeno partido com uma pequena base de apoio. Se a democracia estivesse em colapso, certamente haveria muito mais violência.¿