Título: Pacientes agora podem escolher efeitos colaterais da quimioterapia
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2006, Vida&, p. A28

Um dos tratamentos mais espinhosos da Medicina, a quimioterapia, agora pode ser escolhido pelo próprio paciente. Sempre com o aval médico, o doente consegue selecionar aquele em que os efeitos colaterais são menores - queda de cabelo, boca seca e enjôo são sintomas cada vez mais raros dos remédios de última geração para câncer.

'O oncologista deixou de tomar decisões a partir de uma determinada situação clínica', conta Olavo Feher, oncologista clínico do Hospital do Câncer, em São Paulo. 'Agora nós recomendamos os tipos de tratamento e o paciente define o que vai querer de acordo com a sua conveniência e, claro, sempre dentro das possibilidades médicas.'

Foi o que aconteceu com a bancária Regineia Meireles, de 39 anos. 'Não tive sintomas', diz ela. 'Aliás, meu cabelo ficou até mais bonito, acabo de fazer escova chocolate (processo de alisamento temporário dos fios à base de chocolate).'

Depois de passar por uma cirurgia para retirar um tumor na mama, ela recebeu duas opções de tratamento do médico. 'Podia escolher entre uma quimio mais curta, de três meses, e outra de oito meses', lembra ela. 'Escolhi a mais longa pela qualidade de vida que iria ter durante o tratamento. Minha rotina praticamente não mudou.'

Por causa da enorme incidência do câncer de mama - serão 49 mil novos casos neste ano no País - esse tipo de doença é uma das mais estudadas e, por isso, a que oferece maior número de tratamentos. 'Para a mama, há oito tipos de drogas principais, metade delas com menos efeitos colaterais', diz Oren Smaletz, oncologista clínico do Hospital Albert Einstein e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.

Quatro tipos de medicamentos, portanto, não agridem o cabelo, dão menos enjôo e causam menos formigamento nas mãos e nos pés. Em compensação, podem dar mais diarréia.

Especificamente no caso da mama, a eficácia da quimioterapia com menos efeitos colaterais agressivos é menor. 'As drogas mais diluídas são cerca de 10% menos eficientes em relação às convencionais', avalia Feher.

A quimioterapia com menos efeitos é também a mais demorada - um tratamento convencional dura cerca de 27 semanas e a mais forte, 16 semanas. E, o preço, cerca de quatro vezes maior em geral.

O pulmão é um dos órgãos mais privilegiados, com quatro drogas de primeira linha, sendo duas com toxicidade baixa, todas aplicadas na veia e 'com eficácia semelhante', de acordo com Antônio Carlos Buzaid, diretor-executivo do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês.

Já em relação ao intestino, a flexibilidade do paciente é na hora de escolher entre tratamentos venosos e com pílulas. O venoso (por meio de cateter subcutâneo) - em geral é mais curto, dura 48 horas. O oral, cerca de 14 dias.

Mas até o tratamento venoso começa a ser menos rígido. 'Em vez de precisar ser internado para receber os remédios na veia, de cinco anos para cá, o paciente já conta com a possibilidade de usar cateter com bombinhas de infusão', diz Smaletz, do Einstein.

As mais recentes novidades em tratamento oncológico, porém, são para os rins, órgãos que sempre reagiram muito mal às quimioterapias. O rim tem a função de filtrar o excesso de sódio e de água do sangue e ajudar na eliminação dessas substâncias do organismo. 'Exatamente por essa atividade, eles nunca se adaptaram às drogas', conta Smaletz.

Até há menos de um ano, só havia opções com efeitos muito tóxicos e pouco eficazes. Há apenas alguns meses, chegaram ao mercado dois remédios 'terapia-alvo', especificamente para câncer no rim.

Hoje, das cerca de 50 drogas oncológicas, 10% delas têm toxicidade baixa, ou seja, agem diretamente nas células do tumor - algumas são injetáveis outras na forma de comprimidos. O boom desses novos medicamentos ocorreu nos últimos quatro anos. Eles atuam segundo uma das mais novas estratégias estudadas contra o câncer, a de atacar diretamente o mecanismo das células tumorais que estimula seu crescimento - a droga tem ação antes mesmo da formação de vasos.

O câncer é a multiplicação desordenada das células. As drogas tradicionais agem com pouco critério, atuando em todas células que se dividem com velocidade.

'As células do couro cabeludo, do sistema gastrointestinal e da medula óssea são as que mais se aproximam desse perfil', explica Feher. E, por isso, essas são as áreas do corpo que mais sofrem com a ação das drogas: queda de cabelo, enjôo e influência na imunidade. 'No mundo ideal, só existiriam remédios 'terapia-alvo'', observa Jorge Sabaga, oncologista do Hospital Oswaldo Cruz.

A psicóloga Djally Soldovieri, de 54 anos, teve o privilégio de tomar um remédio com ação específica contra câncer ósseo. 'Quando soube que ia fazer um tratamento depois da operação, pensei que ia ficar careca. Nenhum fio de cabelo caiu e me sinto disposta, faço ginástica diariamente', diz ela. 'Claro que a prioridade nunca foi a estética. Mas estou muitíssimo satisfeita com o resultado, me livrei do estigma da imagem de doente que o câncer dá.'

IMAGEM

Equipamentos capazes de localizar com precisão cada vez maior o câncer também ajudam - e muito - no tratamento, fazendo uma varredura de imagens no organismo. A última geração de tomógrafos divide virtualmente a área do corpo avaliada em 64 partes e faz até 193 imagens por minuto. Essas máquinas captam um nódulo de 0,4 centímetro com imagens em três dimensões.

Há dois dias, o Hospital Sírio Libanês organizou um encontro médico internacional onde se discutiu os avanços tecnológicos sobre a radioterapia (tratamento com radiação para combater o tumor) guiada por imagem. Entre as novidades, foi apresentada radioterapia em 'quarta dimensão'.

O equipamento, que acaba de ser comprado pelo Sírio, leva em consideração o movimento do tumor na hora de localizar o nódulo e aplicar a dose de remédio. 'Dependendo do órgão e do tamanho, o movimento do tumor é grande, atingindo um raio de 3 centímetros', diz João Luis Fernandes da Silva, coordenador da Radioterapia do hospital. 'Levando em conta esse movimento, as chances de proteger os órgãos em volta dele durante o tratamento é muito maior.'