Título: Com Lula ou Alckmin, consumo será motor do crescimento
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2006, Economia, p. B1

O carnê de crediário será a força impulsionadora do crescimento em 2007. Os juros mais camaradas e a comida barata continuarão animando a venda de eletrodomésticos, automóveis, imóveis e outros bens, mantendo as engrenagens da produção nacional em funcionamento. Esse é o cenário projetado por governo e oposição para o ano que vem. Os dois lados concordam que o consumo dos brasileiros será o centro do crescimento, mas há divergências quanto à força que isso terá para puxar para cima o Produto Interno Bruto (PIB).

Por isso, enquanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, espera um crescimento de 5%, o economista José Roberto Mendonça de Barros, que tem contribuído nas discussões da equipe do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, acha que 3% é um número mais realista, embora até generoso. No meio-termo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projeta expansão de 3,6%, segundo informou o diretor de Estudos Macroeconômicos, Paulo Levy.

¿Estou desafiando alguém a me dizer algum aspecto que poderia impedir nosso crescimento no ano que vem¿, diz Mantega ao Estado. ¿Mas tem de ser uma coisa concreta, não imaginária. Eu não vejo nada.¿ Mendonça de Barros, que já foi secretário de Política Econômica no governo Fernando Henrique Cardoso, acha que os 5% de Mantega são apenas um desejo. ¿É uma fuga para frente. Como este ano vamos crescer pouco, eles prometem o espetáculo no ano que vem. Nosso crescimento não será nem parecido com 5%, o ministro está fazendo uma afirmação voluntariosa.¿

Para Mantega, só os últimos cortes na taxa de juro, como o de 0,5 ponto na semana passada, já vão garantir para 2007 desempenho melhor que o deste ano. Segundo ele, quando o Banco Central reduz o juro, os efeitos na economia real só aparecem em cerca de seis meses. Por isso, 2007 será beneficiado pelos cortes deste ano.

¿Só isso já garante crescimento mais robusto no ano que vem, sem falar nas outras medidas que estamos tomando, como a desoneração tributária, o aumento da oferta de infra-estrutura¿, diz Mantega. ¿Só pelo fator monetário (os juros), que é forte, já temos assegurado crescimento acima de 4% no ano que vem.¿

O juro baixo vai impulsionar o consumo de pessoas e empresas pelo crediário. Esse movimento será ajudado pelo fato de as pessoas terem mais dinheiro disponível. ¿O rendimento médio cresceu 3,5% no acumulado do ano, temos uma expansão da massa salarial de 6,5%¿, diz Paulo Levy. Ele lembrou, ainda, que o preço dos alimentos está mais baixo. ¿Isso libera o poder de compra das pessoas.¿

O ministro acredita que, com o aumento do emprego e da massa salarial, o mercado consumidor continuará forte e as empresas se sentirão estimuladas a investir. Mas Mendonça de Barros vê alguns problemas nesse raciocínio. Ele concorda que o juro baixo pode estimular o consumo via crediário, mas alerta: a ânsia consumista tem sido atendida por produtos importados, principalmente da China. É o que ele chama de ¿vazamento¿ do mercado interno brasileiro: a ocupação de espaços pelos importados.

Diante desse fenômeno, o aumento do consumo no mercado interno não melhora a vida da indústria brasileira. Essa leitura é feita, em tom mais moderado, por Paulo Levy. Ele destaca que, apesar de os dados do comércio mostrarem crescimento forte nos últimos meses, a atividade industrial aumenta num ritmo mais fraco.

As possíveis explicações são a existência de estoques na indústria e o aumento dos importados. Tudo isso faz com que o corte de juros já não tenha o mesmo efeito animador sobre a economia visto no passado. Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que as vendas no varejo cresceram 6,27% em agosto, em comparação com agosto de 2005. Na mesma comparação, a produção industrial aumentou 3,2%.

José Roberto Mendonça de Barros aponta outras razões para a economia ter desempenho modesto em 2007. Uma delas: o governo não continuará dando aumentos tão generosos para o salário mínimo e para o funcionalismo, como fez neste ano. Ou seja, a injeção de dinheiro para o consumo vai diminuir.

Outro motivo: ¿100% dos analistas acham que a economia mundial vai desacelerar no ano que vem¿. Há discussões quanto à intensidade, mas é dado como certo que os Estados Unidos vão crescer menos em 2007. Além disso, a China vem tentando frear seu crescimento, para evitar problemas como o surgimento da inflação. A estimativa é de que cresça ¿apenas¿ 8%.

Num cenário sem movimentos bruscos de desaceleração, os EUA cresceriam 2,6%, a Europa 2%, o Japão 2,8% e os países emergentes 6,2% - em vez dos 7,2% deste ano. ¿Se o mundo desacelera, a demanda por exportações é menor¿, comenta Mendonça de Barros.

Exportações em segundo plano

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o comando do País, as exportações eram o centro da economia brasileira. Desde 2005, porém, esse papel vem sendo cada vez mais cumprido pelo consumo interno. Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, este ano, a demanda do mercado externo (as exportações) não vai contribuir para aumentar o Produto Interno Bruto (PIB), mas para diminuí-lo em 1%. Em contrapartida, a demanda doméstica (o consumo do brasileiro) vai contribuir com 4,3%.

O problema de centrar o crescimento no mercado interno, como parece ser a tendência do momento, é que a renda do brasileiro é limitada, segundo alertou o economista José Roberto Mendonça de Barros. Prova disso é que os índices de inadimplência (falta de pagamento dos empréstimos) estão subindo. Segundo os dados mais recentes do Banco Central, referentes ao mês de agosto, a inadimplência das pessoas físicas chegou a 7,6%, ante 6,3% em agosto do ano passado. Entre as pessoas jurídicas, a inadimplência chegou a 2,5%, ante 1,9% em agosto de 2005.

Para Paulo Levy, privilegiar o mercado interno na estratégia do crescimento não é arriscado. ¿Há condições de que o processo se sustente, tendo a taxa de juro como fator que estimula o crédito. O nível de crédito no Brasil ainda é baixo, há muito espaço para ocupar nessa área.¿