Título: Citricultura acusa a indústria de cartel
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2006, Economia, p. B7

A receita bruta do citricultor brasileiro neste ano deverá somar R$ 8 bilhões, com crescimento de 21% ante 2005, segundo cálculos da RC Consultores, que levou em conta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Enquanto isso, os preços médios do suco de laranja no mercado externo aumentaram o equivalente a 45% em reais e a cotação média da fruta no atacado paulista subiu 17%.

Nas contas do consultor Fábio Silveira, que fez os cálculos a pedido do Estado, existe um descompasso entre a remuneração dos citricultores e das indústrias, que reflete a concentração do setor no processamento da fruta. ¿O poder de barganha dos processadores de suco é maior por definição em razão do grau de concentração das indústrias e da maior agregação de valor ao produto final¿, explica o economista.

De acordo com o vice-presidente da Associação Brasileira dos Citricultores (Associtrus), Douglas Eric Kowarick, 15 anos atrás existiam cerca de 20 indústrias processadoras de laranja no País. Hoje o mercado nacional é dominado por quatro grandes empresas. Juntas elas respondem por 70% da produção mundial de suco de laranja, observa. Ele destaca também que o número de produtores encolheu nesse período. Havia no Estado de São Paulo 25 mil citricultores e hoje existem cerca de 7 mil.

Foi exatamente essa concentração dos esmagadores de laranja que levou os produtores a moverem um processo contra a indústria, ainda em andamento. Os citricultores alegam formação de cartel no preço de compra da laranja.

VERTICALIZAÇÃO

Kowarick ressalta também que a indústria nesse período iniciou um processo de verticalização da produção e passou a cultivar pomares próprios, o que reduziu a dependência dos produtores. ¿Hoje as indústrias têm 38 milhões de pés de laranja, o que corresponde a um terço da fruta processada.¿

O presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus), Ademerval Garcia, contesta os dados dos produtores e as acusações de cartelização. Segundo ele, os pomares da indústria respondem hoje por cerca de 15% do total da fruta esmagada. A maior fatia do suprimento das fábricas, isto é, 42% da fruta, é comprada de grupos de produtores que se unem para ter maior poder de barganha na negociação, 30% da laranja esmagada vêm de grandes produtores e o restante é adquirido no mercado à vista, formado por de citricultores independentes.

Além de argumentar que há pulverização nas compras, Garcia frisa que a produção de frutas e o esmagamento da laranja são duas cadeias separadas dentro da citricultura. ¿A nossa cadeia começa no portão da fábrica e envolve tecnologia, logística, abertura de mercados e negociação de tarifas, entre outros itens¿, afirma. Além disso, o executivo alega que a remuneração da indústria é proporcional ao risco.

De toda forma, antes de 1994, existia um contrato de participação na remuneração do citricultor que garantia um preço de compra da laranja proporcional à variação da cotação do suco na Bolsa de Nova York.

De acordo com o presidente da Abecitrus, quando o preço do suco em Nova York despencou, o produtor não quis mais esse tipo de contrato. ¿E toda a vez que o preço cai, o produtor acusa a indústria de cartel.¿

Neste ano, no entanto, as acusações de cartel são sustentadas pelos representantes dos produtores, apesar dos preços do suco terem atingido níveis recordes nos mercados futuros.

DESALINHAMENTO

Na análise da pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Margarete Boteon, apesar dos preços recordes do suco no mercado internacional e da perspectiva de boas cotações também para o ano que vem, o grupo de citricultores que recebeu menos de US$ 4 por caixa de laranja de 40,8 quilos está com dificuldade para manter os investimentos na cultura.

Esses produtores fecharam contratos em 2005 e que irão vencer somente nos próximos anos. Para os contratos novos, negociados neste ano com grandes grupos de produtores que acertaram remuneração superior a US$ 5 por caixa, o quadro é positivo. Segundo a especialista em citros, o principal problema do setor hoje é o desalinhamento dos preços frente ao cenário internacional.