Título: A competitividade e os números
Autor: Miguel Jorge
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

A lista de Competitividade Global da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que nos colocou no 14º lugar entre os países que mais recebem investimentos e no 68º entre os 125 mais competitivos do mundo, deflagrou uma discussão sobre nosso fôlego para atrair capitais externos. Para a Unctad, real valorizado, baixo crescimento econômico, alta carga tributária, infra-estrutura precária, custo elevado do capital e excesso de gastos públicos, entre outras causas, justificaram a queda de 17% do investimento direto estrangeiro em 2005.

A análise foi amenizada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para quem o investimento estrangeiro direto não é indispensável, embora desejável, pois temos bom desempenho nas exportações e poupança interna de 22% do PIB. ¿Não acredito que os investimentos estrangeiros estejam abandonando o Brasil¿, declarou o ministro, categórico, ao anunciar que o fluxo desses investimentos deverá crescer 7% este ano ante 2005, com fortalecimento do setor privado e melhoria das finanças das empresas.

Alguns analistas duvidam. A Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) prevê para este ano a entrada de US$ 16 milhões de investimentos, igual a 2005, e a Unctad estima novo salto de investimentos no mundo, com o Brasil patinando. Pela média ponderada do ranking da Unctad e do otimismo oficial, suscetíveis de erro, conclui-se que poderíamos, mesmo, ter sido melhores na captação de investimentos estrangeiros, pois tivemos só 5% dos recursos enviados à América Latina em 2005, e nossa participação no fluxo global foi de modestos 1,6%.

Seja porque as mudanças que impulsionarão o crescimento serão sentidas apenas nos próximos anos (visão governo) ou porque quase expirou o prazo de acelerar o desenvolvimento (visão Unctad), o fato é que perdemos espaço em meio à recuperação dos investimentos estrangeiros no mundo. É indiscutível que, se não quisermos ser vítimas de morte da globalização ou uma nação mais rica com mais pessoas pobres, como diz Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001, em seu recente livro Fazendo a Globalização Funcionar, teremos de atrair mais investimentos de longo prazo.

Até quem julga discutíveis os critérios da Unctad para elaborar sua lista de competitividade, comparando-os às complexas regras que diferenciam país rico de país pobre, não duvida de que o melhor caminho para atrair investimentos é aprovar reformas.

Ajudaria muito o Brasil, para ter mais competitividade, se o governo se conscientizasse do tempo que se perde - e que outros países ganham - por não termos modernizado a infra-estrutura, reduzido os impostos, cortado gastos públicos, melhorado a educação, etc. E, claro, promovido menor intervenção do Estado na economia: o relatório da Unctad destaca que, no ano passado, os países que mais atraíram investimentos foram os que agiram nesse sentido, com políticas que ajudaram os investidores. Não por acaso, os países em desenvolvimento que mais atraíram investimentos entre 2004 e 2005, segundo a Unctad, desenvolveram políticas públicas modernizadoras, cortaram gastos da máquina administrativa e investiram mais em transportes, segurança pública e em outros setores.

Não seria redundante afirmar que capitais atraem capitais e que é preciso investir nessas áreas para atrair novos investimentos de longo prazo, até porque as fragilidades sociais e econômicas de um país se propagam em cadeia ou em círculos concêntricos, tornando-o mais vulnerável do que é.

A questão da segurança pública é emblemática: dados do Banco Mundial, publicados no The New York Times, mostram que a violência rouba até 8% do crescimento econômico no Brasil, prejudicando os investimentos privados. Para o presidente do Banco, Paul Wolfowitz, precisamos ¿melhorar o ambiente de negócios para atrair novos investimentos e crescer a taxas mais elevadas¿. Não basta uma economia forte, estabilidade econômica e instituições sólidas, se não se consegue transpor o fosso que separa o atraso da modernidade, superando os obstáculos que aproximam a riqueza da pobreza.

Também nesse aspecto, o exame da lista de Competitividade Global da Unctad é bastante esclarecedor: o investimento estrangeiro cresceu 29% no mundo, alcançando US$ 916 bilhões, mas parece faltar-nos tempo, recursos e vontade para fazer a economia deslanchar, criando empregos, renda, etc. Nossos governantes e agentes econômicos, com as exceções de praxe, não perceberam que tempo é dinheiro, tem um custo extremamente elevado e que o Estado, de cofres vazios, não pode mais subsidiar os custos diretos e indiretos de alguns setores que impulsionam o crescimento. Ainda há tempo de abolir a teoria corrente de que os países ricos não investem em países emergentes, desculpa facilmente desmentida por todos os avanços de nossa economia nos últimos anos, com a ajuda dos investimentos estrangeiros.

Com o crescimento do mercado de veículos, as montadoras anunciam que, nos próximos anos, a partir de 2007, investirão R$ 10 bilhões no País. Nas telecomunicações, já se noticia que, até o fim do ano, teremos chegado a 100 milhões de celulares - um para cada dois brasileiros. Apesar das distorções na política cambial, do baixo crescimento do PIB, do intervencionismo do Estado, da queda do fluxo de investimentos, da obsolescência da infra-estrutura, etc., os investidores parecem dispostos a ir até onde possam fazer bom uso do dinheiro, com o menor risco possível, claro.

Mas isso não depende deles - é a lição de casa que o presidente reeleito e a sociedade brasileira precisarão cumprir, mesmo parcialmente, para que possamos vencer as dificuldades que se aproximam. Que, aliás, não serão poucas.