Título: O papel do BNDES
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2006, Notas e Informações, p. A3

O balanço do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apresenta resultados contraditórios. O lucro foi recorde na história do principal banco de fomento do País, mas sua carteira de empréstimos teve um desempenho pouco expressivo, retratando a falta de disposição das empresas de tomar recursos de longo prazo para investir.

Nos primeiros nove meses de 2006, o BNDES obteve um lucro líquido de R$ 5,716 bilhões, 132% maior do que o do mesmo período de 2005. Apenas no terceiro trimestre, o lucro atingiu R$ 2,399 bilhões, superando em 276% o do terceiro trimestre de 2005. O Tesouro Nacional receberá, em conseqüência, um reforço dos dividendos e juros sobre o capital próprio que ajudam a minorar o desequilíbrio fiscal da União. Neste ano, o BNDES tornou-se a empresa administrada pela União que mais contribui para o Tesouro, ao qual já remeteu R$ 3,041 bilhões, superando os aportes da Petrobrás, de R$ 2,340 bilhões, e os do Banco do Brasil (BB), de R$ 2,265 bilhões.

O presidente do BNDES, Demian Fiocca, atribuiu os bons resultados à melhora da situação financeira das empresas devedoras do banco e à qualidade da gestão. Mas a maior parte dos lucros veio da carteira de renda variável, em especial da carteira de ações da subsidiária BNDESPar - e esta carteira foi constituída ao longo da história do banco.

Em 2006, as operações de renda variável proporcionaram um lucro líquido de R$ 3,022 bilhões. Cerca de metade (R$ 1,486 bilhão) resultou da venda de participações acionárias - caso ilustrado pela alienação de ações do Banco do Brasil que excediam as necessárias para o controle do BB pela União. A outra parte (R$ 1,187 bilhão) veio da receita de dividendos e juros sobre o capital próprio. O BNDES é acionista, entre outras empresas, da Petrobrás, da Vale do Rio Doce, do Bradesco e do Itaú, que estão entre as mais rentáveis do País.

A contribuição da carteira de renda fixa - que inclui as operações de empréstimos - foi de R$ 2,491 bilhões. A reestruturação da dívida da Brasil Ferrovias - adquirida pela América Latina Logística (ALL) - permitiu que o banco liberasse provisões no valor de R$ 1,1 bilhão.

Com os lucros crescentes, o BNDES capitaliza-se e adquire mais capacidade para conceder crédito. Seu patrimônio de referência - que determina a capacidade de fazer empréstimos do banco - hoje corresponde a 28% dos ativos, bem acima dos 11% exigidos pelas regras de Basiléia, e aumentou de R$ 27,9 bilhões, em dezembro de 2005, para R$ 34,2 bilhões, em setembro último, graças à transformação em dívida perpétua de parte de uma dívida de R$ 7 bilhões que o banco tinha com o Tesouro.

Mas o problema do BNDES não está no volume de recursos destinados a empréstimos. Nas gestões de Carlos Lessa e Guido Mantega, o banco não conseguiu cumprir seu orçamento de investimentos. Dos R$ 60 bilhões orçados, emprestou apenas R$ 40 bilhões em 2004 e R$ 47 bilhões em 2005 - e nada indica que conseguirá atingir, em 2006, a meta que vem sendo mantida há três anos.

Até outubro, o volume de empréstimos alcançou R$ 35,4 bilhões, apenas 5% superior ao de igual período do ano passado. Na comparação com 2005, diminuíram em 19% os desembolsos para a agropecuária e em 8% os investimentos em infra-estrutura. O único dado positivo é a aprovação de projetos, uma das etapas das concessões de crédito, que aumentou 17% em relação ao ano passado.

As operações do banco continuam mostrando alta concentração, tanto geográfica como em relação ao porte dos tomadores. Entre janeiro e outubro, mais de 80% dos desembolsos se destinou às Regiões Sudeste e Sul, as mais desenvolvidas do País. No mesmo período, os desembolsos para pessoas físicas diminuíram 26%, relativamente a 2005, e para micro e pequenas empresas, 7%.

Com o perfil adotado nos últimos anos, o BNDES pode deixar de ser, disparado, o principal fornecedor de crédito de longo prazo para o setor privado, que agora se capitaliza, cada vez mais, com a emissão de debêntures e ações.