Título: Evento da CNBB sugere rever dívida e privatização da Vale
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2006, Nacional, p. A8

Rever a privatização da Vale do Rio Doce, fazer uma auditoria na dívida externa brasileira e incentivar a comunicação alternativa para 'diminuir a influência negativa dos grandes meios de comunicação social' são alguns dos principais pontos da carta de encerramento da 4ª Semana Social Brasileira, organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O encontro, terminado ontem em Brasília, reuniu representantes de movimentos populares ligados à Igreja católica.

A auditoria da dívida chegou a ser debatida no sábado com o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci. O ministro foi cobrado por uma das participantes, que garantiu que a auditoria fez parte do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva para o primeiro mandato. Dulci negou. 'Eu lembro que fez parte das discussões prévias, mas acredito que tenha ficado fora da versão final', escapou.

O não pagamento da dívida ou a 'auditoria' dela é uma exigência recorrente de alguns movimentos sociais. Dulci afirmou que o 'momento político'não era propício a radicalizações no momento em que Lula assumiu e afirmou que não valia a pena não pagar a dívida, exemplificando com a Argentina, que, segundo ele, até hoje não se recuperou do calote de 2002.

A revisão da privatização da Vale do Rio Doce também chegou a ser prometida na campanha de 2002 por Lula, que ainda este ano reiterou não concordar com ela, mas desconversou quando lhe perguntaram por que não a revisava.

A carta dos movimentos sociais seguiu uma linha já adotada pelo governo ao pedir a 'democratização dos meios de comunicação'. O programa de governo de Lula chegou a ter um capítulo sobre a necessidade de financiar meios de comunicação alternativos para se contraporem à imprensa tradicional, mas depois a parte foi retirada.

A principal proposta da Semana Social é a criação de um 'Mutirão por um Novo Brasil' formado pelos movimentos sociais, para pressionar o governo e divulgar as suas chamadas 'causas preferenciais'. Entre elas, aparecem a reforma agrária, a campanha para redução das tarifas de energia elétrica, contra a redução da maioridade penal e pela valorização do salário mínimo.

DEMOCRACIA DIRETA

Os participantes da Semana pedem, ainda, mudanças no sistema político para que 'se exerça a democracia direta', usando referendos, plebiscitos, orçamento participativo e iniciativas populares de leis. A idéia tem a simpatia de pelo menos um membro do governo. O ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, a defendeu a em uma recente entrevista ao Estado.

Os representantes dos movimentos sociais pretendem transformar o mutirão em um mecanismo para serem mais ouvidos. Na véspera, a discussão sobre a relação dos movimentos sociais com o governo já havia surgido no debate de que participara o ministro Luiz Dulci. Apesar de terem reconhecido que passaram a ter mais acesso ao governo na gestão Lula, os representantes dos movimentos sociais reclamam dos resultados gerados pelas conversas.

O líder do MST João Pedro Stédile, um dos participantes do encontro, afirmou que o MST e a Via Campesina haviam participado de vários conselhos de interlocução com a sociedade no governo Lula, mas tinham saído de quase todos porque 'não prestam para absolutamente nada'.

Ele cobrou, por exemplo, que os movimentos sociais querem participar do Conselho de Política Monetária (Copom) - que decide sobre a taxa básica de juros -, do Conselho Monetário Nacional 'e do conselho que decide sobre rádio e tevê, no lugar do Sarney (senador José Sarney, hoje um dos maiores aliados de Lula)'. Ele se referia ao Conselho de Radiodifusão, que não existe mais. Dulci não respondeu aos pedidos, mas discordou das críticas. 'Os conselhos têm dado resultados', garantiu.