Título: Divergências na equipe econômica atrasam debate sobre a Previdência
Autor: Isabel Sobral, Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2006, Economia, p. B3

A falta de consenso no Ministério da Fazenda em torno da necessidade de uma nova reforma da Previdência está comprometendo o debate sobre o alcance do programa fiscal que está sendo preparado para o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A divisão da equipe econômica entre os grupos dos 'fundamentalistas' e os da 'escola de gestão' está dificultando a busca de um consenso e obrigou o presidente Lula a suspender a decisão sobre a Previdência. Até o momento, nenhum dos dois grupos conseguiu fazer prevalecer suas idéias nas reuniões no Planalto.

Mais de uma semana após a apresentação da primeira versão do pacote fiscal, considerado por Lula pouco ousado, somente hoje os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Previdência, Nelson Machado, começarão a buscar portas de saídas para o impasse.

ESFINGE

Sem espaço no Orçamento para garantir mais investimentos, cortes de tributos e ajuda aos Estados - medidas exigidas pelo presidente -, a ala dos fundamentalistas acredita que não há como fugir do debate de questões estruturais e da adoção de medidas urgentes. Sem as quais, argumentam eles, o presidente não conseguirá garantir um crescimento de 5% do PIB.

'É fazer no início do próximo mandato ou em meio à crise', disse ao Estado um integrante do Ministério da Fazenda. Para se ter uma idéia do nível de divisão, nem mesmo a equipe de Mantega chegou a um consenso em relação às propostas para reduzir o déficit previdenciário.

'As opiniões dependem do andar em que se está no prédio do ministério', ironizou um assessor. Há opiniões divergentes até mesmo entre os técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional, que controla o caixa do governo e é o principal responsável pelo equilíbrio das contas públicas. Nem mesmo o ministro Mantega, segundo assessores, escapa da ambigüidade.

'É como no mistério da esfinge. Ele (Mantega) devorará a pessoa antes que ela adivinhe a resposta', disse a fonte. Segundo a mitologia grega, quem errava a resposta sobre o Enigma da Esfinge era estrangulado por uma figura representada por um leão alado, com cabeça de mulher.

'Mais cedo ou mais tarde, a equipe terá de unificar o seu discurso sobre o tema', disse a fonte. Nesse jogo de pressão, o presidente Lula avisou que não quer mudanças que prejudiquem as classes média e de baixa renda, como a alternativa de desvincular as aposentadorias e pensões do reajuste do salário mínimo, como noticiou o Estado na semana passada.

Os técnicos defendem a opção de não se conceder novos reajustes reais (acima da inflação) para o valor do salário mínimo. Trata-se também de uma medida inviável politicamente, do ponto de vista do Palácio do Planalto.

O grupo dos fundamentalistas acha que é possível convencer Lula sobre a necessidade de mudanças mais drásticas na Previdência. Eles lembram que, na reunião com seus assessores econômicos na semana passada, o presidente nem chegou a ouvir as restrições impostas pelas despesas da Previdência ao crescimento econômico. Foi feito até mesmo um ensaio sobre a apresentação que seria mostrada, mas Lula preferiu esperar pelo ministro Nelson Machado, que não estava presente.

DEBATE SUPERFICIAL

O ex-ministro da Previdência Reinhold Stephanes, eleito deputado federal pelo PMDB do Paraná, considera o debate muito superficial e acredita que o presidente Lula deveria reunir um grupo de especialistas de alto nível para construir propostas viáveis.

Segundo ele, antes de fazer qualquer tipo de reforma, o governo precisa investir em medidas de gestão, enfrentando de forma contundente o problema da informalidade da mão-de-obra.

'A contribuição à Previdência tem que ser compulsória; afinal, quem está na informalidade tem renda, conta bancária', afirmou Stephanes, explicando que a Previdência foi concebida no princípio da repartição, ou seja, a geração que trabalha hoje deve contribuir para sustentar o benefícios da geração que já se aposentou. Só que hoje a maioria dos trabalhadores está na informalidade e não paga a Previdência. 'Isso desequilibra todo o sistema', completou.

O ex-ministro José Cechin afirmou que não pode haver divisão entre favoráveis à reforma e apenas defensores de medidas de gestão. 'Acho que melhorar a gestão é um dever, sempre.'