Título: Lula quer reforma radical no PT
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2006, Nacional, p. A9

Presidente pede ajuda a governadores eleitos para mudar direção e se queixa da 'burocratização' no partido

As sucessivas trapalhadas e o inventário de escândalos envolvendo petistas da máquina partidária levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um ataque de nervos. Em conversas mantidas com coordenadores de sua campanha, na semana passada, Lula avisou que no início de 2007 a cúpula do PT terá de sofrer uma reforma radical. Mais: pediu aos auxiliares que 'se mexam' para antecipar o terceiro congresso do partido, inicialmente previsto para o segundo semestre.

'O PT precisa passar por um profundo processo de transformação', disse o presidente a governadores eleitos da sigla. Lula prega a 'revisão dos 27 anos', idade que o partido completará em 10 de fevereiro. 'Só não falo que é choque de gestão porque detesto essa palavra', emendou, irritado, numa referência à expressão usada com freqüência pelo adversário do PSDB, Geraldo Alckmin. 'Mas vocês precisam ajudar: não dá mais para ficar assim.'

Adiado inúmeras vezes para não atrapalhar o governo com disputas internas, o congresso do PT é agora aguardado com ansiedade pelo Planalto, pois tem poderes para mudar a direção do partido, eleita em setembro. Lula diz estar certo de que conquistará o segundo mandato no próximo dia 29 e necessita recompor o PT para governar.

'Mas ou se salva o Lula ou se salva o PT: os dois não se salvam na sua forma original', previu o deputado Paulo Delgado (PT-MG), um dos acadêmicos da legenda, que não foi reeleito. A conclusão de Delgado passa por um diagnóstico desolador: para ele, criador e criatura não conviverão sem traumas enquanto Lula for presidente.

'O PT doutrinário teve de se adaptar ao governo pragmático e isso violou a sua natureza. Hoje, o PT é um self-service, onde cada um se alimenta de conveniências. Nós, dos chamados mandatos de opinião, fomos ficando ridículos nesse PT pragmático', lamentou Delgado.

ABACAXI

Para o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, o colega mineiro está muito pessimista. 'Os partidos que expõem suas crises se salvam. Os que a escondem vão para a sarjeta da história', teorizou. Até agora, porém, o acerto de contas no PT não está completo.

Desde o escândalo do mensalão, há um ano e quatro meses, o partido já teve quatro presidentes: José Genoino, Tarso, Ricardo Berzoini e Marco Aurélio Garcia, que assumiu o cargo há nove dias. Antes deles, José Dirceu - ex-ministro da Casa Civil que acabou cassado pela Câmara, acusado de comandar um esquema de compra de votos - chefiou o PT de 1995 a 2002.

Chamado às pressas para socorrer o partido, Marco Aurélio deixou a assessoria de Assuntos Internacionais do Planalto e pegou o 'abacaxi' petista na reunião da Executiva Nacional que afastou Berzoini e baniu os quatro 'aloprados' que tentaram comprar um dossiê antitucano por R$ 1,75 milhão.

Foi tensa a última conversa de Lula com Berzoini, que, na prática, não deverá retornar ao posto. Quando sua saída oficial for concretizada, porém, uma nova disputa em banho-maria poderá transbordar. Na tentativa de contornar a crise anunciada, o Planalto já apela para os raros nomes de consenso na sucessão petista. O primeiro é o próprio Marco Aurélio, que, até o momento, cumpre uma tarefa de transição. Depois dele, o mais cotado é o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci.

O final da história, no entanto, depende do desfecho da eleição. Se Lula conquistar o segundo mandato, haverá a 'despetização' da equipe - já que ele promete um 'governo de coalizão', principalmente com o PMDB - e alguns quadros devem retornar ao PT, sob nova direção, menos paulista. O presidente admite que errou ao ter 'puxado' para o governo quase todos os nomes de expressão, desidratando o PT. Se ele perder, haverá um jogo de culpas sem fim.

Nas conversas privadas, Lula atribui todos os males que feriram de morte o PT e empurraram sua administração para uma crise atrás da outra a 'petistas que se corromperam' quando chegaram ao poder. Assegura não saber que amigos seus como Oswaldo Bargas e Jorge Lorenzetti tentavam comprar um dossiê com artilharia pesada contra José Serra (PSDB), hoje governador eleito de São Paulo. Queixa-se, ainda, do processo de 'burocratização' dos dirigentes que não foram forjados nas lutas sociais, mas, sim, na máquina do PT.

'Todos nós vivemos um estado de catatonia geral', resumiu o governador eleito da Bahia, Jaques Wagner. 'Eu acho que o PT terá de fazer, no segundo mandato, o que não fez nos três primeiros anos do governo: mobilizar a sociedade e expor de forma mais franca e aberta as suas posições', afirmou Marco Aurélio, coordenador-geral da campanha de Lula e presidente interino do PT. Em tom menos diplomático, o futuro governador de Sergipe, Marcelo Déda, foi taxativo: 'Precisamos resgatar a nossa alma, cortar os galhos que não prestam mais.'