Título: Ortega volta ao poder
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2006, Notas e Informações, p. A3

O ex-ditador Daniel Ortega foi eleito presidente da Nicarágua, em pleito considerado limpo pelos observadores da OEA, da União Européia e do Centro Carter. Após três tentativas frustradas de voltar ao poder - a primeira delas em 1990, quando perdeu fragorosamente para Violeta Chamorro, embora controlasse a máquina do Estado -, Ortega foi aprender com o ex-coronel golpista Hugo Chávez como armar uma eleição sem dar na vista.

Em primeiro lugar, mudou sua imagem pública. Deixou de ser o líder marxista arrogante e ameaçador e transformou-se no ¿Daniel paz e amor¿. Para não espantar os setores produtivos e a classe média - cujas propriedades confiscou quando liderou a junta sandinista que derrubou o ditador Anastácio Somoza -, prometeu manter o acordo de livre-comércio que os países da América Central assinaram com os Estados Unidos em 2005, atrair investimentos estrangeiros e respeitar a propriedade privada. Comprometeu-se a manter boas relações com os Estados Unidos e a não interferir nos negócios internos dos países vizinhos - até porque já não existem as guerrilhas de El Salvador e da Guatemala que os sandinistas apoiaram na década de 1990.

Em segundo lugar, aceitou a ajuda material com que o presidente Hugo Chávez compra amigos e aliados. Mas o fez com muita habilidade. A ajuda, em dinheiro, combustíveis, fertilizantes e assistência técnica, foi dirigida diretamente aos municípios controlados pelos sandinistas. E Daniel Ortega evitou, cuidadosamente, qualquer associação pública com o coronel Chávez, para que não se repetissem na Nicarágua os erros cometidos pelo líder bolivariano no México, Peru e Equador, cujos eleitores reagiram negativamente ao apoio dado ostensivamente a candidatos populistas.

Por último, mas mais importante, o comandante Daniel Ortega aprendeu com o coronel Chávez que as eleições devem ser ganhas antes mesmo de depositados os primeiros votos nas urnas. E que, para isso, vale tudo. Assim, para obter suficiente maioria na Assembléia, fez uma aliança informal com o ex-presidente Arnoldo Alemán, que se notabilizou por ter desviado cerca de US$ 100 milhões dos cofres públicos e está em prisão domiciliar, cumprindo pena de 20 anos. Pôde, assim, modificar a lei eleitoral que não lhe convinha, porque as pesquisas de opinião o colocavam no patamar dos 34% de preferência do eleitorado. Antes, para se eleger em primeiro turno, o candidato precisava obter 45% dos votos válidos. Agora, bastam 40%, ou 35% com uma vantagem de 5% sobre o segundo colocado. Como isso podia não ser suficiente, a Frente Sandinista de Libertação Nacional tratou de fazer a maioria dos membros do Tribunal Eleitoral, o que explica a rapidez com que militantes sandinistas obtiveram títulos de eleitor que só com muita dificuldade eram fornecidos aos eleitores da oposição.

Tudo isso feito, com paciência, pertinácia e tempo, o ato eleitoral poderia transcorrer - como de fato aconteceu - na mais completa normalidade.

Mas a vitória de Ortega não se deve apenas à habilidade adquirida de Hugo Chávez para moldar as leis e instituições a seus interesses. O candidato favorito do eleitorado - que certamente venceria o líder sandinista -, o ex-prefeito de Manágua Herty Lewites, morreu de enfarte em julho. E a oposição fragmentou-se em pelo menos três facções que, isoladas, não conseguiriam vencer Ortega. Este, ao contrário de seus opositores, buscou alianças. Seu vice-presidente, por exemplo, é Jaime Morales, ex-líder dos Contras que fizeram a guerra civil contra os sandinistas e cuja casa Daniel Ortega expropriou ao assumir o poder, dela fazendo sua residência.

Além disso, a interferência do embaixador americano - que tentou unificar os partidos de oposição - teve sobre os eleitores nicaragüenses o mesmo efeito que a militância de Chávez produziu sobre os mexicanos, peruanos e equatorianos: jogou-os no colo do adversário. O mesmo fez o famigerado coronel Oliver North - protagonista do escândalo dos Contras, durante o governo Reagan -, que foi à Nicarágua fazer reuniões e comícios em apoio a um adversário de Ortega.

Daniel Ortega venceu as eleições com folga. E agora o coronel Hugo Chávez lidera o eixo Caracas-Havana-La Paz-Manágua.