Título: Advogado do ex-ditador faz 'apelo político' contra execução
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2006, Internacional, p. A16

Sem segurança, sem acesso irrestrito a seu cliente e não podendo nem entregar-lhe toda a documentação de defesa. Esse é o dia-a-dia de trabalho dos advogados de Saddam Hussein. Em declarações ao Estado, Curtis Doebbler, um dos 20 membros da equipe internacional que defende o ex-ditador iraquiano, contou como são suas reuniões com Saddam e o que esperam agora que ele foi condenado à forca pelo massacre de 148 xiitas nos anos 80 em Dujail.

Segundo Doebbler, os EUA controlam cada movimento do processo. 'Esse é um assunto puramente americano. Não há um só policial internacional ou iraquiano nem na sala de detenção de Saddam nem nos procedimentos. Cada vez que nos encontramos com ele estamos cercados de americanos.'

Doebbler, americano de 46 anos, está em Genebra esta semana para tentar convencer especialistas da ONU e de governos europeus a agir contra a condenação à morte de Saddam. O advogado diz que seu objetivo é conseguir que as declarações contrárias à execução feitas pelos governos da Itália, Espanha, França e Grã-Bretanha se transformem em pressão para que o enforcamento não ocorra.

'Apelar judicialmente já não faz sentido, embora busquemos esse caminho também. Agora é irrelevante se Saddam é culpado ou não, pois o que estamos dizendo é que o processo foi ilegal e injusto. Decidimos apelar politicamente aos governos e autoridades que se declararam contrários à execução', afirmou. 'Vamos pedir que tomem medidas', acrescentou, referindo-se ao lobby que ele espera que governos europeus façam em Washington e Bagdá.

Doebbler já atuou com refugiados no Sudão e assessorou legalmente grupos vinculados ao Taleban. Ele se nega a dizer se acredita ou não que o ex-ditador seja culpado do massacre em Dujail. 'Todos têm direito a um processo justo. Aqueles que dizem que sofreram nas mãos de Saddam não terão justiça se o processo for mantido assim.'

O advogado conta que já esteve com Saddam em 'inúmeras ocasiões', mas nunca conseguiu um encontro em que não estivessem presentes militares americanos na sala. 'Estamos sempre vigiados em nossos encontros, que não passam de 20 minutos. Até se quisermos dar um documento a nosso cliente, precisamos antes entregá-lo às autoridades, que fazem uma cópia, avaliam o conteúdo e depois decidem se Saddam pode ou não ter acesso aos papéis.'

Sobre o conteúdo das conversas com Saddam, o advogado é cauteloso. 'Prefiro não comentar muito. Só posso dizer que Saddam até estaria disposto a ir a uma corte. Ele acredita que todos precisam ser julgados por seus atos. Mas quer ser julgado ao lado de George W. Bush e Tony Blair, que poderiam ser acusados de ter liderado um crime de agressão em uma guerra ilegal contra o Iraque.'

Para Doebbler, um dos problemas da corte é que, antes mesmo do início do processo, o juiz responsável já havia declarado ser favorável à execução de Saddam. Outro problema é a falta de segurança para os advogados de defesa. 'Quatro de nós já morreram. Em qualquer lugar do mundo isso seria motivo para interromper o processo.'