Título: Na volta ao tribunal, Saddam pede 'reconciliação' no Iraque
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2006, Internacional, p. A16

Dois dias após ser condenado à forca por morte de xiitas, ex-ditador é julgado por massacre de curdos

O ex-presidente Saddam Hussein voltou a ocupar o banco dos réus do Tribunal Especial Iraquiano, onde pediu 'a reconciliação' dos diferentes grupos étnicos de seu país. Há apenas dois dias, o líder iraquiano foi condenado à forca num processo em que foi considerado culpado pela morte de 148 xiitas no vilarejo de Dujail, em 1982.

No julgamento retomado ontem, Saddam e seis de seus colaboradores estão sendo acusados pela morte de 180 mil curdos entre 1987 e 1988, com uso inclusive de armas químicas, na campanha que ficou conhecida como Operação Anfal - um dos maiores massacres étnicos dos últimos 50 anos (leia abaixo). 'Eu convoco todos os iraquianos, árabes e curdos, a perdoar, reconciliar-se e apertar as mãos', disse Saddam durante a audiência, acrescentando que 'amava' tanto os curdos quanto os árabes de seu país.

Saddam também rejeitou a veracidade do testemunho de Qahar Jalil Mohamed, um dos supostos sobreviventes do genocídio curdo, que ontem denunciou a execução sumária de seus familiares.

Mohamed contou que, em 1988, o Exército iraquiano invadiu a aldeia em que ele morava, no Curdistão, norte do Iraque. Os soldados teriam separado as mulheres e as crianças, reunido 37 homens em um mesmo local e disparado contra eles com fuzis Kalashnikov. 'Morreram 33 pessoas. Eu perdi meu pai, meu irmão, 18 parentes e levei dois tiros', disse Mohamed .

O ex-ditador reagiu afirmando que ninguém poderia verificar esses fatos, mas manteve a calma. Outra testemunha, Abdul-Karim Nayif, apresentou um vídeo com imagens de uma suposta cova coletiva, encontrada depois que os curdos conseguiram mais autonomia nas províncias do norte do país, em 1991.

Ao longo de toda a sessão, Saddam se limitou a fazer anotações sobre os testemunhos, numa atitude muito diferente da adotada nas últimas audiências. Os acessos de raiva marcaram a performance do ex-ditador no tribunal e por causa deles ele foi expulso inúmeras vezes da sala em que ocorriam as sessões.

Os advogados de Saddam solicitaram ontem a anulação do veredicto que lhe condena à pena de morte. Seu argumento é que a sentença é ilegítima por ter sido 'pronunciada sob a ocupação americana'.

O processo de apelação judicial foi iniciado ainda na segunda-feira. De acordo com as autoridades judiciais iraquianas é possível que a decisão não saia antes de janeiro ou fevereiro.

O primeiro-ministro do Iraque, Nuri al-Maliki disse ontem, em uma entrevista à BBC, esperar que Saddam seja executado ainda no final deste ano. 'Gostaríamos que todo o mundo respeitasse a decisão do Iraque', declarou, referindo-se às críticas feitas à sentença do ex-presidente iraquiano pela comunidade internacional e grupos de direitos humanos que são contra a pena de morte.

Três líderes europeus fizeram um apelo anteontem para que o ex-ditador não seja executado - entre eles o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, maior aliado dos EUA no Iraque. Blair reafirmou que o seu país é contra a pena capital 'para Saddam ou para qualquer um'.

PIOR QUE SADDAM

O diplomata Hans Blix afirmou ontem, em entrevista ao jornal argentino Clarín que 'a anarquia do Iraque é pior que tirania de Saddam Hussein'.

Ex-chefe de Inspeções de Armas da ONU, Blix sempre se declarou contra o conflito, alegando que não havia encontrado armas de destruição em massa no Iraque.

'Continuo achando que a guerra foi um fracasso em todos os sentidos, exceto em derrubar Saddam', disse Blix, para quem o Iraque está em 'guerra civil' e a invasão americana acabou 'promovendo o terrorismo'.

Em visita a Argentina para participar de um simpósio em Buenos Aires, o diplomata negou que o Irã 'seja o próximo Iraque'. AFP, AP E REUTERS