Título: Convocação nova, erros velhos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende envolver governadores e prefeitos em seu plano - ainda bastante nebuloso - de estímulo ao crescimento econômico, segundo o Estado informou ontem. O presidente proporá a participação de Estados e municípios na contenção de gastos e na redução de impostos sobre o investimento e a produção. A idéia geral é boa, mas envolve duas linhas de ação muito diferentes, cada qual sujeita a dificuldades políticas peculiares. A segunda proposta seria desnecessária, agora, se o governo federal tivesse agido com maior ousadia e maior empenho político ao formular seu projeto de reforma tributária, em tramitação no Congresso.

A proposta de contenção de gastos envolverá a adoção de limites para as despesas salariais de todos os Poderes. Também neste caso a idéia contraria a política adotada pelas autoridades federais nos últimos anos e, de modo especial, na campanha para reeleição. O presidente Lula inflou a folha de pagamentos da União com os aumentos concedidos há poucos meses. Parte da economia anunciada para os próximos anos servirá somente para compensar os excessos cometidos na disputa eleitoral.

Não há notícia de erro semelhante cometido em 2006 pela maioria dos governadores e prefeitos. Será necessário corrigi-lo nos Estados e municípios onde tiver ocorrido, mas cada governante municipal ou estadual deverá cuidar do assunto segundo as condições de suas finanças, nos próximos anos. De modo geral, a idéia de regras para todos os Poderes, e não apenas para o Executivo, é muito sensata - chega a ser óbvia -, mas é preciso levar em conta as particularidades de cada Estado ou município. Além disso, política salarial sem plano de carreira e sem uma boa definição das funções públicas essenciais não pode produzir grande resultado.

Quanto à questão dos tributos, foi definida com clareza nos estudos sobre a reforma tributária feitos há mais de dez anos. Nenhuma reforma será suficiente sem uma ampla modificação das normas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Existem 27 legislações e é preciso unificá-las, impedir a guerra fiscal entre Estados e eliminar a tributação sobre exportações e investimentos. Um plano mais ambicioso poderá extinguir o imposto sobre insumos necessários à atividade empresarial mas não incorporados no produto.

Na falta de uma reforma, mudanças foram determinadas na segunda metade dos anos 90 pela Lei Kandir. Deveria ser uma solução provisória, até a mudança completa do sistema. Mas essa lei nunca foi integralmente aplicada. A desoneração dos insumos não incorporados no produto nunca entrou em vigor. A desoneração das compras de máquinas e equipamentos foi adotada de forma ineficiente, com a devolução do imposto em 48 meses - uma piada de mau gosto, numa economia com as maiores taxas de juros do mundo. Quanto à isenção de exportações de produtos primários e semi-elaborados, ficou na dependência da compensação paga pelo Tesouro Nacional aos Estados e municípios. De acordo com a lei, essa compensação seria extinta em alguns anos, mas foi prorrogada mais de uma vez e deverá custar à União, no próximo ano, cerca de R$ 5,2 bilhões.

Como a reforma em tramitação no Congresso é muito limitada, o ICMS continuará cheio de defeitos nos próximos anos, a gestão fiscal das empresas será mais complicada e a guerra fiscal poderá continuar. A cobrança do tributo no destino, nas operações interestaduais, implicará uma compensação para os Estados exportadores e isso tornará mais complexa a operação do sistema. A solução pode ser boa e é defendida por muitos técnicos, mas a discussão foi até agora insuficiente e o governo federal se revelou incapaz de coordenar os entendimentos entre os interessados.

Essa coordenação será indispensável, se o presidente da República quiser mesmo substituir o atual esboço de projeto de reforma por uma proposta mais ambiciosa e mais completa. A tarefa principal e mais difícil, portanto, caberá não aos governadores e prefeitos, mas ao gabinete presidencial. Para isso, os negociadores do governo, incluídos seus líderes no Congresso, terão de ser muito mais competentes do que foram nos últimos anos.