Título: 'É hora do sacrifício', diz Mercadante
Autor: Lu Aiko Otta, Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2006, Economia, p. B6

Senador vai contra tese de Mantega e Dilma e defende corte de gastos e reforma da Previdência

Passada a eleição é hora de descer do palanque, abandonar a 'visão romântica' da economia e partir para o sacrifício, cortando gastos e fazendo a reforma da Previdência. Do contrário, o prometido crescimento sustentado de 5% ao ano não acontecerá. Essa é a proposta que o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) vem defendendo até mesmo nas conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, batizada por ele próprio de 'novo desenvolvimentismo'.

'Precisamos de uma verdadeira cruzada fiscal para aumentar a capacidade de investimento do setor público', afirmou o senador, que nega ser candidato a algum posto no novo ministério. Ex-líder do governo no Senado, ele era nome certo para compor a equipe do segundo mandato de Lula. Agora, porém, enfrenta desgaste político porque o coordenador de sua campanha ao governo de São Paulo, Hamilton Lacerda, está envolvido no escândalo da compra do dossiê Vedoin.

Ao defender suas propostas, a partir das quais pretende construir uma agenda de crescimento com a oposição, Mercadante se apresenta como contraponto à visão dominante no eixo Ministério da Fazenda-Casa Civil, pela qual não é necessário fazer grandes sacrifícios no gasto público porque o crescimento econômico e a queda dos juros farão o trabalho pesado.

Por esse diagnóstico, o crescimento faria subir a arrecadação, tornando menos necessário o corte de despesas, e a taxa de juros em queda diminuiria gastos com pagamento de juros. Mercadante concorda que a queda dos juros abre espaço para aumentar o investimento público.

Acha, porém, que a taxa não poderá cair de forma sustentada sem o amparo de um programa fiscal crível. 'O governo precisa abandonar o romantismo econômico e a oposição, a recorrente tentação do populismo.'

A reforma estrutural da Previdência, que parte do governo considera desnecessária, é um dos pontos centrais do 'novo desenvolvimentismo'.

Mercadante lembra que o País gasta 12,5% das riquezas que gera, o Produto Interno Bruto (PIB), com benefícios da Previdência Social. Mas só 8,5% da população tem mais de 60 anos. 'O País tem mais pessoas com 55 anos aposentadas do que crianças com 2 anos em creches.'

Outro ponto central é a redução dos gastos correntes (aqueles que não são investimento), acompanhado da produtividade do setor público. O senador acha que cada ministério deveria ter um grupo de trabalho que definiria cortes nas despesas e proporia formas de o dinheiro público produzir mais benefícios para a população.

Um exemplo saiu de uma conversa com o ministro da Educação, Fernando Haddad. As universidades públicas federais têm em média 1 professor para 16 alunos, enquanto na França a média é 1 professor para cada 32 estudantes. 'Poderíamos dobrar o número de alunos', argumentou. Em tese, isso não teria impactos muito grandes na despesa, pois o salário do professor já está pago e todo o custo de manter as universidades funcionando também.

Na proposta de Mercadante, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) seria transformado em centro de acompanhamento e avaliação da qualidade da despesa pública. Com o Tribunal de Contas da União, avaliaria o uso de recursos federais transferidos para Estados e municípios para áreas como saúde e educação.

Mercadante propõe que o setor elétrico, hoje 80% nas mãos do Estado, seja unificado sob uma holding, a Eletrobrás, que passaria a ter uma gestão profissional como na Petrobrás. A holding teria condições de captar recursos no exterior para financiar empreendimentos.

O 'novo desenvolvimentismo' é, segundo Mercadante, uma visão alternativa às três linhas básicas existentes: a neoliberal, que defende o crescimento pela via do investimento privado, a continuísta, que prega a manutenção do receituário implementado no primeiro mandato, e a do 'velho desenvolvimentismo', que propõe a redução dos juros como providência para acelerar o crescimento.

A LISTA DE PROPOSTAS

As 'tribos' da economia Neoliberais - Acreditam que o crescimento econômico só ocorrerá com o aumento substancial dos investimentos privados.

Continuistas - Acham que o modelo implantado pela dupla Palocci-Meirelles, com ajustes pontuais, garantirá o crescimento.

Velho desenvolvimentismo - Apostam que para crescer basta baixar os juros, por isso insistem em mudanças no Banco Central.

Novo desenvolvimentismo - Defendem cortes nos gastos correntes (pessoal e custeio da máquina), assim haverá mais espaço para o setor público investir.

As propostas do 'novo desenvolvimentismo'

Gastos - Cortar custeio em todos os ministérios.

Avaliação - O Ipea seria transformado em uma agência de avaliação da qualidade do serviço público, num trabalho junto com o Tribunal de Contas da União.

Tecnologia - Os leilões eletrônicos para compra de material, que proporcionam economia ao governo, seriam mais utilizados.

Reformas - A Previdência Social passaria por uma reforma estrutural e buscar a aprovação da reforma tributária.

Infra-estrutura - Criar uma 'Petrobrás do setor elétrico', uma holding com gestão profissional que conseguiria financiamento no mercado.

Regulamentação - Regular a lei de micro e pequenas empresas e criar o estatuto da pré-empresa.

Incentivos - Concentrar as desonerações tributárias no investimento produtivo.

Regulação - Aperfeiçoar o marco regulatório do setor de infra-estrutura e profissionalizar as agências reguladoras.