Título: Globalização em Hanói
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2006, Notas e Informações, p. A3

A Rússia conseguiu apoio dos Estados Unidos para entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC). Os governos russo e americano devem assinar nos próximos dias um acordo de acesso a mercados, uma das condições de Washington para dar o apoio. A cerimônia deverá ocorrer em Hanói, capital do Vietnã, durante reunião do Fórum de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec, na sigla em inglês).

A conferência de ministros do comércio deve começar sexta-feira e terminar domingo. Os dois países serão representados pela representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior (USTR), Susan Schwab, e pelo ministro de Comércio da Rússia, German Gref. A conclusão do processo dependerá apenas da própria OMC.

Na semana passada, foi oficializado o ingresso do Vietnã como 150º membro da organização. A cerimônia, em Genebra, foi a conclusão de um trabalho de negociação e reforma iniciado em 1995. O governo russo começou a trabalhar um ano antes, quando ainda se concluía a Rodada Uruguai de negociações comerciais. Em 1992, recém-dissolvida a União Soviética, o governo de Moscou havia iniciado um programa de reformas. A integração no sistema internacional de comércio foi logo incluída na pauta da transição econômica.

A China já é membro da OMC. O Vietnã acaba de entrar. A Rússia deve ser admitida em breve. As economias mais dinâmicas do antigo mundo comunista vêm mudando com rapidez e buscando ajustar-se, algumas com grande sucesso, às condições da globalização.

O fato da conferência ministerial da Apec ser realizada em Hanói, neste ano, é um sinal muito claro das transformações em curso. E a escolha da capital do Vietnã para a assinatura do acordo entre Estados Unidos e Rússia é de enorme valor simbólico.

O Vietnã, unificado depois da guerra com os Estados Unidos, saiu do conflito devastado e passou os primeiros anos da nova fase tentando limpar os escombros. Ainda é pobre, mas conseguiu sustentar nos últimos dez anos um crescimento médio anual superior a 7%.

Esse crescimento, como o da Rússia, tem sido no rumo de uma economia de mercado progressivamente integrada no sistema internacional e empenhada em atrair capitais para investimentos produtivos.

Os dois países tiveram de fazer concessões importantes aos Estados Unidos e a outros membros da OMC, em troca de apoio para sua admissão. O governo russo admitiu maior abertura de seus mercados para produtos americanos industriais e agrícolas. Aceitou também maior presença de bancos, seguradoras e empresas de serviços. Assumiu obrigações em relação à defesa da propriedade intelectual e comprometeu-se a combater a pirataria. Reservou-se, no entanto, o direito de limitar essa participação se o investimento estrangeiro superar 50% de participação nos setores bancário e de seguros.

Essas negociações tiveram um custo para o Brasil. Os americanos, assim como os europeus, ganharam as maiores cotas para exportação de carnes. O Brasil ficou sem cota, mas continuou a exportar grandes volumes por causa das necessidades do mercado russo.

A Apec tem 21 associados e reúne economias grandes e pequenas da Ásia e das Américas. Do lado americano, participam Canadá, Estados Unidos, México, Peru e Chile. Do lado asiático há tanto países desenvolvidos, como Japão, Austrália, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan, quanto economias emergentes e em desenvolvimento, como China, Indonésia, Malásia e Papua-Nova Guiné.

Esses países abrigam 2,6 bilhões de pessoas, mais de um terço da população mundial, têm uma produção conjunta de cerca de US$ 19,2 trilhões, cerca de 60% da economia global, e respondem por quase metade do comércio internacional.

A cooperação econômica e a intensificação do comércio entre esses países têm sido possíveis apesar de rivalidades antigas e ressentimentos ainda não sepultados. Velhas diferenças, no entanto, têm sido contrabalançadas, na ação diplomática, pelos interesses objetivos do crescimento econômico.

Quando esses interesses são levados em conta, não sobra espaço para um mundo dividido entre Norte e Sul. Não, pelo menos, no mundo contemporâneo.