Título: 'Tinha de sair agora, depois da vitória', desabafa ex-ministro
Autor: João Domingos, Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2006, Nacional, p. A6

Gushiken diz que aguardou hora mais apropriada para se demitir e avalia que PT errou por ter 'visão ingênua'

Na prática, a saída de Luiz Gushiken do governo era dada como fato consumado desde julho do ano passado, quando deixou a Secretaria de Comunicação do Governo para assumir um órgão secundário no governo, o Núcleo de Assuntos Estratégicos. A dúvida ontem era saber por que a decisão demorou tanto. 'Eu tinha de sair agora, depois da vitória, quando um ciclo se fecha. Se tivesse saído antes, estaria aceitando uma culpabilização, que rejeito', disse ele, em entrevista ao Estado.

Arrumando as gavetas, ontem, Gushiken definiu seu encontro de despedidas com Lula, na sexta-feira, como 'uma conversa boa'. Ele mostrou a carta de demissão ao presidente, que elogiou o texto. Lula não pediu que Gushiken reconsiderasse uma decisão que, ambos sabiam, era a melhor para os dois.

A conversa teve momentos amargos, quando Lula falou sobre o segundo turno, reclamou dos 'aloprados' do dossiê Vedoin e disse em tom dramático que foi eleito 'pelo povo e por mais ninguém.' Eles se emocionaram pela lembrança dos quatro anos de governo, encerrados na glória da reeleição, para um, e na luta por uma vaga no mercado de trabalho, para o outro.

'O segundo mandato será mais fácil do que o primeiro', acredita Gushiken.

Ele mantém o discurso que tem assumido desde o início da crise e diz: 'O mensalão não existiu. Havia apenas um esquema tradicional de acerto de dívidas de campanha.' Embora até o vice-presidente José Alencar tenha admitido a existência do mensalão, Gushiken argumenta: 'Não me parece concebível que deputados do PT precisassem receber dinheiro para votar no programa de seu próprio governo. Isso é um absurdo.'

CAIXA 2

Questionado sobre parlamentares de outros partidos - como PP, PL e PTB -, que recebiam pagamentos regulares, ele diz que 'não ocorreu nada muito diferente do que se fazia antes'. 'Era caixa 2. Os pagamentos se misturaram. Havia deputados com dívidas da campanha de 2002 e recursos para a campanha de 2004, para prefeito.'

Qual foi o problema, então? 'Nosso erro foi não compreender a importância de ter uma base sólida no Congresso. Tivemos uma visão ingênua. Não levamos em conta que, no presidencialismo, a base do governo está sempre reivindicando mais, querendo mais. Diz que apóia o governo, mas tenta tirar o máximo desse governo.'

Acusado de integrar a 'organização criminosa' que atuava no interior do governo, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República, Gushiken enfrenta inquérito ainda em exame no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele afirmou ao Estado estar convencido de que os ministros da Corte não aceitarão sequer a denúncia.

Dizendo-se pronto a procurar um emprego depois de enfrentar quatro meses de quarenta obrigatória para quem deixa o governo em sua condição, Gushiken comenta que o presidente 'teve uma grande votação e agora o PT precisa demonstrar maturidade para não se perder na luta interna'.

'Depois de uma campanha como essa, o País precisa de tranqüilidade. O Lula está oferecendo a concórdia e o partido precisa contribuir para isso. Discordo de quem diz que Lula dividiu o País entre ricos e pobres. Ele integrou os pobres no processo eleitoral, que, pela primeira vez, votaram sem tutela.'

A saída de Gushiken priva Lula de um de seus últimos amigos no Planalto. Ele nunca teve os poderes de José Dirceu nem Antônio Palocci, mas, até o caso do mensalão, era ouvido pelo presidente em questões delicadas.

Lula apreciava em Gushiken a lealdade de quem não tem agenda própria nem plano de carreira. Essa intimidade permitiu que, na campanha de 2002, Gushiken convencesse Lula a assinar a Carta ao Povo Brasileiro, na qual o candidato firmou, de forma clara e irrevogável, compromissos com a estabilidade monetária que jamais haviam constado na cartilha do PT. Gushiken negociou cada frase do documento assinado por Lula, escrito por um grupo de assessores de Palocci.