Título: Os desesperados africanos em busca do paraíso
Autor: REUTERS, AP E AFP
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2006, Internacional, p. A13

Em menos de uma semana, mais de 2.600 imigrantes africanos clandestinos chegaram às costas das Ilhas Canárias, na Espanha, de onde esses infelizes esperam chegar à Europa. Esse fluxo imigratório ultrapassou todos os níveis anteriores. Somente durante o mês de agosto, cerca de 5 mil africanos chegaram às Canárias.

O governo regional das ilhas espanholas fala de "catástrofe humana". Uma catástrofe que não atinge só os países onde chegam (a Espanha e também dois outros países mediterrâneos, Itália e Ilha de Malta, que se defrontam com o mesmo desafio), mas também os próprios imigrantes.

Esses desesperados, recrutados por aventureiros, completamente sem dinheiro diante dos valores delirantes pagos pelas passagens, esfomeados e amontoados em embarcações sórdidas e pouco seguras, alcançam as "costas afortunadas" da Europa num estado de total enfraquecimento físico e moral. Só na Espanha o número de clandestinos mortos, em sua aventura para o paraíso, chegou a 500 este ano.

Naturalmente, são os países cuja costa dá para o Mediterrâneo que são o alvo principal dos imigrantes que vêm do Magreb ou da África negra.

Mas, na realidade, os que conseguem desembarcar nas Canárias (Espanha) ou em Lampedusa (Itália) não permanecem necessariamente ali. Seu sonho é chegar aos países do norte europeu, como França, Alemanha, etc.

Portanto, esse é um problema que diz respeito não apenas à Espanha ou à Itália, mas envolve todos os países europeus.

A União Européia assumiu o problema, consciente de que não poderia deixar todo esse fardo por conta de Malta, Itália e Espanha. E, há um ano, criou um organismo, a Agência Européia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (Frontex), para coordenar a proteção das fronteiras de seus 25 países membros.

Uma boa idéia! Mas ineficaz, porque a agência derrapou nos obstáculos habituais dentro da União Européia, ou seja, o "cada um por si", o sagrado egoísmo, a incapacidade de pensar comunitariamente.

Teoricamente, a agência obteve de oito países membros da UE garantias de que apoiariam a Espanha. Ora, desses oito países, apenas três cumpriram a promessa: Itália, Finlândia e Portugal. Os outros, sentindo-se longe das Ilhas Canárias, não se mexeram - em particular, os três pesos pesados da Europa, que são a França, Alemanha e Grã-Bretanha.

Os recursos de que a Frontex dispõe são irrisórios. Um orçamento muito pequeno ( 16 milhões), dois navios - um italiano e outro português -, dois aviões para fiscalização e dois helicópteros espanhóis. Essa minúscula armada é incapaz de fazer frente a todos os barcos que tentam ganhar as costas européias.

Além disso, o fluxo não poderá ser contido somente com a fiscalização das fronteiras. Para desencorajar os candidatos ao exílio, seria necessário agir nos países de onde eles partem, na África, implementando em sua terra sistemas de subsistência.

Acrescentemos enfim que, se a Espanha e a Itália formam o ponto fraco da Europa, não são as únicas regiões às voltas com esse flagelo. A Frontex identificou outras três zonas de risco: as fronteiras orientais da Europa, as dos Bálcãs ocidentais e, por fim, os principais aeroportos internacionais.

Assim, até os europeus conseguirem superar seu egoísmo cego, os desesperados da África continuarão a encalhar, às vezes mortos, nas portas da sonhada Europa.