Título: Brasil perde peso no FMI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2006, Notas e Informações, p. A3

O mundo mudou, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também tem de mudar, para não perder a razão de existir, e os primeiros passos para a renovação estão sendo dados. A primeira tarefa é reforçar a legitimidade da instituição, por meio da redistribuição de cotas e de poder de voto. Alguns países cujas economias têm crescido muito, como China, Coréia e México, estão sub-representados. Será preciso, além disso, dar mais voz aos pobres, por meio da ampliação dos votos básicos. Alguns perderão com o remanejamento e o Brasil quase certamente será um desses países, principalmente porque sua economia andou em marcha muito lenta nos últimos 20 anos. O governo brasileiro tenta resistir à diminuição de seu peso na instituição.

Brasil, Argentina e Índia votaram contra a proposta de reforma, na semana passada, na Junta Executiva do FMI, segundo informou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os três países foram vencidos. Depois da reunião, foi anunciado que China, Coréia, México e Turquia deverão ganhar brevemente mais cotas e votos.

Mas o grande problema para o Brasil - e isso o ministro não explicou com todas as letras - não é o aumento de poder desses países. Essa primeira redistribuição ainda ocorrerá com base nos critérios atuais. Servirá simplesmente para corrigir alguns desequilíbrios mais evidentes, como indicou o diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato. No caso da China, Coréia e México, o desajuste é explicável principalmente pelo crescimento econômico. Seu poder de voto é muito pequeno, hoje, para o tamanho de suas economias. Outra consideração pesou mais no caso da Turquia: a cota original do país era muito pequena. Esses países serão beneficiados, portanto, por uma correção ad hoc, destinada simplesmente a consertar um desajuste muito visível.

Para isso, haverá um aumento de apenas 1,8% no total das cotas. A parte do Brasil será diminuída de 1,42% para 1,40%, com variação, portanto, quase insignificante. O problema realmente importante para o País deverá ocorrer na segunda fase, isto é, na reforma efetiva.

Na segunda fase deverá entrar em vigor uma nova fórmula para distribuição de cotas e de votos. O assunto será discutido na assembléia anual do FMI em Cingapura, neste mês, e pretende-se chegar a um acordo no prazo de dois anos.

Pela proposta divulgada na última semana, e ainda sujeita a discussão, o novo critério deverá valorizar principalmente o tamanho de cada economia e seu grau de abertura, medido pelo total das transações correntes com o exterior. Aí aparece o problema que realmente deve preocupar os brasileiros.

Pela dimensão da economia, os Estados Unidos deverão manter a posição diferenciada que já ocupam no FMI. O critério da abertura beneficiará quase certamente alguns europeus, como a Alemanha. Também o Japão poderá ganhar na redistribuição.

O Brasil provavelmente estará entre os perdedores, se for aprovada essa fórmula, e é esse o principal motivo, se não o único, de sua oposição à proposta. Quanto à correção inicial dos desajustes, com benefícios para China, Coréia, México e Turquia, não parece haver mais nada que se possa fazer. Segundo o relatório divulgado pelo FMI, esses quatro "são os únicos países substancialmente representados com base na atual fórmula de cotas e também com relação às variáveis consideradas adequadas pela Junta Executiva para inclusão numa nova fórmula".

A mudança deverá incluir um reforço das cotas básicas, isto é, independentes de variáveis econômicas, para os mais pobres, que assim ganharão um pouco mais de representatividade. Países africanos estarão entre os ganhadores.

Sejam quais forem as opiniões sobre a justiça da fórmula proposta e da redistribuição já anunciada, um ponto é inegável: o Brasil, nesse episódio, paga um preço político pelo baixo crescimento dos últimos 20 anos e pelos erros que emperraram sua economia. Esses erros incluem sua demora em cuidar de questões básicas, como o déficit público, e o atraso na inserção global de sua economia.