Título: Uma lábia ali, afagos aqui. É Severino em campanha
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2006, Nacional, p. A6

Seu Zito, aos 74 anos, prepara a volta ao poder que deixou escapar faz um ano, escorraçado e humilhado que foi sob acusação grave de criar o mensalinho na Câmara.

Com a astúcia de um gato, ainda que sob o peso da diabete que ameaça sua saúde, ele toca uma campanha à antiga, de porta em porta. É um dedo de prosa aqui, uma lábia ali, promessas e afagos por onde passa.

É Severino Cavalcanti em campanha. Nas ruas ele se anuncia como o ¿guerreiro de sempre¿. No agreste, na zona da mata ou no sertão brabo de Pernambuco, o ex-deputado que renunciou ao cargo para driblar a inelegibilidade anda à caça de votos. É do PP, mas fecha aliança com qualquer partido que o ajude em seus propósitos. Apóia Eduardo Campos (PSB) para governador e Lula (PT) para presidente.

Por vezes o ex-presidente da Câmara faz tipo enternecedor para a gente necessitada do campo, os sem-emprego que tiram da terra o feijão e a mandioca que são o seu sustento. Aos prefeitos, vereadores e políticos que o recebem para uma buchada de bode ele acena com boa soma de recursos federais a partir da apresentação de emendas, uma vez eleito. E assim vai selando acordos, renovando apoios, conquistando votos.

Até os desafetos, que o acusam de impor um regime de ferro na miséria pernambucana, reconhecem de público e com deferência que Severino ainda mantém poder de fogo por essas bandas. Estimam que ele deverá contar 60 mil votos, um feito para quem saiu de Brasília mergulhado em escândalos e afamado como defensor do nepotismo e dos marajás.

Os aliados, não são poucos, vão além - calculam em 90 mil o número de eleitores que o reconduzirão à Casa e ao convívio de mensaleiros e sanguessugas.

A campanha de seu Zito, como Severino é chamado aqui em João Alfredo, onde nasceu e construiu sua carreira, não é feita de grandes comícios. Dia desses reuniu 2 mil pessoas em uma caminhada pelas ruas de Bom Jardim e outras mil em Cumaru. Mas prefere mesmo é se acercar de lideranças locais para traçar planos e metas. Também se desloca por áreas rurais, onde fica à vontade.

Sua agenda de candidato consome quase 16 horas do seu dia. Não raro o céu de Boa Viagem, no Recife, onde mora, ainda é um breu quando dona Catharina Amélia, que o escolheu marido há mais de meio século, lhe passa as recomendações de hábito. A bordo da Pajero ano 95 parte para a longa missão. Sua companhia são o motorista, uma caixa de insulina Lantos, uma frasqueira com a muda de roupa e o Espírito Santo, a quem pede que ilumine seu caminho.

Muitas vezes pára no trajeto e entrega santinhos nos casebres de pau-a-pique de beira de estrada e também para comer jaca e beber água de coco.

A rotina de campanha é interrompida quando uma crise de diabete o castiga e o prende em casa. Semana passada mesmo, depois de cumprir uma maratona em Bom Jardim, João Alfredo, Cumaru e Caruaru, foi obrigado a se recolher ao apartamento do Recife. Não mais foi visto em suas bases eleitorais. Assessores montaram um esquema para não expor o ex-deputado e evitar o assédio da imprensa.

João Alfredo é pouco mais que um povoado, como o são todos os 25 municípios pernambucanos onde ele encontra a anuência de parte da população. São 29 mil moradores - 44% deles analfabetos - e 22,9 mil eleitores na terra natal de Severino, onde ele vendia bijuterias, ainda na adolescência, e depois montou uma fábrica de móveis, antes de ingressar na política. A fábrica não existe mais, no entanto deixou frutos - muitos que trabalharam para seu Zito aprenderam o ofício e montaram na cidade seu próprio negócio. São gratos a ele pela oportunidade.

O pessoal simples também dá valor aos costumes e tradições do interior. Severino tem ciência disso. De modo que, quando algum conterrâneo vai embora desta vida, ele não perde a chance de comparecer a todos os atos de ofício, do velório à missa de corpo presente até a última pá de terra, levando seus sentimentos à família do morto.

Para seus adeptos ele é um padrinho querido, que nunca se fez ausente. Não por acaso, Severino mantém a Associação João Vicente Ferreira, entidade que oferece o mais legítimo assistencialismo dos coronéis da política, com direito a médico e dentista de graça uma vez por semana. ¿O povo nordestino vota em quem lhe dá assistência¿, atesta Roosevelt Gonçalves (PP), prefeito de Cumaru.

Os joão-alfredenses contam que Severino nem precisa dar o ar da graça por aqui para garantir voto. ¿É como uma seita¿, define o vereador Wilson França (PP). Pelos seus cálculos, Severino vai ter 6 mil votos de João Alfredo. ¿Ele é muito humano.¿

Passa longe da cabeça dos seguidores de Severino que ele tenha se prevalecido de um golpe rasteiro no erário para ampliar o patrimônio. Eles acreditam que o ex-deputado é homem de predicados, político laborioso.

¿É homem de muita luta, um guerreiro¿, depõe José Rinaldo Mathias, que conduz a Veraneio bordô ano 74 pelas ruas de João Alfredo, tocando o forró do Severino, de autoria do Toínho de Limoeiro.

Fã de carteirinha do ex-deputado, Toínho compôs a melodia que é uma pregação. ¿Falaram tanto e ninguém provou, é inveja, olho grande, despeito, isso é que é maldade¿, diz um trecho da canção, ao som do teclado eletrônico.