Título: O inacreditável caso de Rondônia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/08/2006, Notas e Informações, p. A3

N a história dos grandes escândalos nacionais e dos roubos avantajados de dinheiro público, ainda não se tinha visto algo das dimensões do que ocorre em Rondônia. Uma imensa quadrilha tomou de assalto os Poderes do Estado, comandada pelos próprios chefes desses Poderes, como é o caso dos presidentes da Assembléia Legislativa e o do Tribunal de Justiça. Além deles, estão envolvidos nas pesadas bandalheiras 23 dos 24 deputados estaduais, o vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado, o ex-procurador-geral de Justiça, ex-secretários de Estado, juízes, altos funcionários da Assembléia Legislativa, empresários e parentes de servidores que ocupam altos postos da administração estadual.

Num vasto esquema para assaltar os cofres públicos e burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal, esses agentes públicos já causaram - segundo o apurado até agora - um rombo de aproximadamente R$ 70 milhões, com a prática dos crimes de corrupção, fraude, improbidade administrativa, venda de sentenças e lavagem de dinheiro, entre outros.

A chamada Operação Dominó, realizada pela Polícia Federal com base em investigações desenvolvidas há mais de um ano - a partir da extorsão praticada por dez deputados estaduais contra o governador Ivo Cassol (PPS), devidamente flagrados pelas câmaras de um telejornal -, desvendou um esquema de cumplicidade e proteção recíproca, pelo qual os deputados favoreciam magistrados e membros do Ministério Público com grandes reajustes de salários, recebendo, em troca, garantias de impunidade.

"Em mais de 30 anos de atividade policial, nunca tinha visto esquema de corrupção tão extenso e tão ramificado nas instituições da máquina pública", afirmou o diretor-executivo da Polícia Federal, delegado Zulmar Pimentel, que acompanhou o trabalho de remoção para Brasília dos magistrados e membros do Ministério Público com prerrogativa de foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ) - nove, ao todo -, dando cumprimento aos mandados de prisões e de busca expedidos pela ministra do STJ, Eliana Calmon.

Reconheça-se, desde já, o mérito da Polícia Federal, que desenvolveu um paciente, acurado e competente trabalho de investigação em Rondônia, contando com a colaboração do Ministério Público e da Justiça. Vê-se, por aí, que, quando organismos públicos cumprem com denodo suas obrigações de cobrança, em relação à exigência de respeito à lei, se fecham os caminhos da crônica impunidade.

Pena que demonstrações de eficiência dessa espécie, no combate ao roubo dos dinheiros públicos, ocorram mais em regiões mais remotas do território nacional. Por que, por exemplo, também não são freqüentes em Brasília, espaço territorial em que se acumula volume fabuloso de falcatruas, no âmbito dos Poderes do Estado, dos partidos políticos, dos altos escalões da administração e dos detentores de mandatos de representação popular?

A utilização de mecanismos que já existem, de cobrança, punição e conseqüente aperfeiçoamento da máquina pública - em todos os Poderes de Estado e esferas da administração -, dispensa quaisquer mudanças na estrutura institucional do País - como haveria, por exemplo, na estapafúrdia idéia de uma Constituinte.

Entende-se, perfeitamente, que a Polícia Federal, em conjunto com setores do Ministério Público e do Judiciário, esteja a pressionar a União para que seja decretada intervenção federal em Rondônia. O objetivo da medida seria a desarticulação completa da quadrilha, enraizada nos Poderes, que há três anos assalta os cofres públicos daquele Estado, causando incomensuráveis prejuízos - de ordem material e moral - à população. Pois, apesar de já terem sido presos 23 suspeitos, tudo indica que estes estejam longe de esgotar o enorme contingente de criminosos participantes da vastíssima teia. Realmente, não dá para imaginar que entidade pública alguma permaneça inteiramente dominada pelo crime organizado - pois é esse, precisamente, o caso de Rondônia.

Resta saber, no entanto, qual a viabilidade jurídica, administrativa e política da intervenção federal no Estado, tendo-se em vista, inclusive, suas repercussões sobre as eleições de outubro.