Título: Exemplo da lentidão da justiça
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2006, Notas e Informações, p. A3

O julgamento da ação direta de inconstitucionalidade da Medida Provisória (MP) 1.963, que disciplina a capitalização mensal dos juros no mercado financeiro, voltou novamente à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). A trajetória desse processo, que interessa a todos os cidadãos que compraram um bem ou um serviço a prestação e estão pagando em dia um carnê de crediário, dá a medida da lentidão da Justiça brasileira.

Editada há seis anos, a MP autorizou bancos e financeiras a cobrar juros sobre juros, nos financiamentos ao consumidor final com prazo inferior a um ano. Até então, a jurisprudência dos tribunais superiores, firmada com base na Lei de Usura, que foi introduzida em 1933 pelo Decreto 22.626, proibia expressamente a incidência de juros sobre juros em periodicidade mensal. As poucas exceções admitidas a essa regra surgiram na década de 70, com o advento das cédulas de crédito rural, comercial e industrial. No entanto, cedendo à pressão das instituições financeiras, em 2000 o Executivo autorizou a capitalização mensal dos juros, por intermédio da MP 1.963.

A iniciativa foi questionada no mesmo ano pelo Partido Liberal, sob a alegação de que a MP não se reveste dos requisitos de relevância e urgência exigidos pela Constituição para a edição de medidas provisórias e, assim, a matéria somente poderia ser regulamentada por meio de lei complementar. Apesar da importância desse processo para os consumidores, o relator, ministro Sidney Sanches, só apresentou seu voto em 2002, considerando inconstitucional a MP 1.963. O segundo voto, do ministro Carlos Velloso, que acompanhou o relator, só foi proferido três anos depois.

Em seguida, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Nelson Jobim, que acabou deixando o processo numa gaveta de seu gabinete. O detalhe é que os três ministros já deixaram a corte, Sanches e Velloso por terem completado 70 anos, idade em que a aposentadoria é compulsória, e Jobim por ter renunciado espontaneamente ao cargo de presidente do STF em abril de 2006, para retornar à vida política. Desde então, o caso ficou parado, e somente agora retornou à pauta.

Além disso, a discussão judicial versa exclusivamente sobre técnica legislativa, e não sobre o conteúdo e o alcance da MP 1.963, que trata em toda sua extensão de finanças públicas, disciplinando importantes temas de macroeconomia, como a introdução da conta única do Tesouro Nacional. Como ao editar essa MP o Executivo atropelou o processo legislativo previsto pela Constituição, essa discussão é importante para preservar a segurança do direito. No entanto, como ela se prende apenas e tão-somente a questões de caráter formal, é inadmissível que consumidores e bancos estejam há seis anos à espera de uma decisão definitiva para o caso, por parte da mais alta corte do País.

Nada justifica tanta morosidade, uma vez que o julgamento da constitucionalidade da MP 1.963 afeta o funcionamento não só do sistema financeiro, mas, também, do comércio de bens de consumo duráveis, do mercado imobiliário e da indústria da construção civil. Isso mostra como os tribunais brasileiros estão em descompasso com a realidade econômica. E serve como mais um argumento em favor da reforma infraconstitucional do Judiciário, que vem tramitando no Legislativo desde 2004, concebida para agilizar a tramitação das ações judiciais, mediante o enxugamento da sistemática de recursos e a simplificação da legislação processual.

Conjugados com os abusos muitas vezes cometidos pelo Executivo na edição de MPs, ferindo princípios constitucionais, a morosidade judicial e o anacronismo das leis processuais só contribuem para piorar a posição do Brasil nos rankings de competitividade e das economias mais atraentes aos investidores. Para um país que necessita de investimentos privados para crescer, a insegurança jurídica compromete a formação de capital, atrofia o potencial de desenvolvimento e dificulta a geração de empregos.

Dito de outro modo, quanto maior é a incerteza com relação às regras do jogo, mais elevados são os custos para se fazer negócios e quem perde com isso é toda a sociedade.