Título: Alianças preocupam petistas históricos
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2006, Nacional, p. H4

Socióloga critica composição com Jader e Delfim; Frei Betto teme que Lula fique `refém de forças conservadoras¿

Tanto ou mais do que alegria, a conquista do segundo mandato pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva causa inquietação, incerteza e cobrança em relação ao perfil do próximo governo e ao futuro do próprio PT. Petistas históricos ouvidos pelo Estado demonstram preocupação com a governabilidade, as alianças e a perspectiva de dificuldades ainda maiores para os próximos quatro anos. Avaliam que é necessário reorganizar o PT, depurá-lo e garantir a participação não só em cargos, mas num modelo.

¿Eu acho que o panorama é muito complexo, muito difícil¿ , afirma a socióloga Maria Victoria Benevides, que se diz aflita principalmente com questões como a participação do PT no próximo governo e as alianças para assegurar a governabilidade. ¿Velhos militantes vão ter que aceitar alianças que nos horrorizam, com `Jader Barbalhos e Defins Netto¿, ou ficar num segundo plano?¿

O economista Paul Singer, um dos fundadores do partido, é mais pragmático. ¿O governo tem necessidade de alcançar maioria no Congresso. O ideal seriam alianças com afinidade ideológica, mas nem sempre o que se quer é compatível com a necessidade, que é ter maioria.¿

Frei Betto, membro do governo nos dois primeiros anos do mandato de Lula, teme que agora o Executivo fique ¿refém de forças conservadoras¿ e perca a oportunidade de promover o crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais.

Para Maria Victoria, o papel do PT no atual governo já é ¿mofino¿, ou seja, infeliz, desafortunado. ¿O partido teve um papel ruim porque o que apareceu foram escândalos. E o que apareceu mais foi o PT de origem sindicalista e com cargo de direção.¿ Impressionada pelo fato de ¿gente com tradição parlamentar e sem máquina¿ não ter sido reeleita, como o deputado Paulo Delgado (MG), ela defende a presença forte do PT no segundo mandato. ¿Fico aflita quando ele (Lula) diz que vai diminuir a participação do PT no governo não pela quantidade, mas sim pelas propostas e princípios. O partido tem de contar¿, enfatiza.

Singer considera que o ¿tamanho do PT¿ no governo vai depender justamente das alianças com outros partidos, como o PMDB, para garantir a governabilidade. ¿Não acho que tudo que é estratégico para o governo tem que ficar com o PT¿, afirma Singer, secretário nacional de Economia Solidária, secretaria vinculada ao Ministério do Trabalho.

Frei Betto, por sua vez , diz temer que o PMDB apresente agora, depois das eleições, a ¿fatura¿ por ter abdicado de candidato próprio a presidente. ¿Temo que exija mais cargos do que merece e indique políticos abaixo de qualquer suspeita.¿

PESO ESTRATÉGICO

Em que pesem as crises e os escândalos em que o partido esteve mergulhado, como os do caixa 2, do mensalão e do dossiê Vedoin, o peso do PT no segundo mandato é considerado estratégico para que o governo cumpra a promessa de desenvolvimento econômico e social. ¿É o partido do presidente e não tenho a menor dúvida que terá postos importantes no governo¿, diz Singer.

Apesar dos ¿erros imperdoáveis¿ cometidos pelo PT, Maria Victoria considera que, além de indispensável, o partido tem de ser ¿muito aguerrido¿ porque um segundo mandato é ¿historicamente¿ mais complicado.

E o futuro do próprio PT e dos petistas envolvidos nos escândalos? Passada a eleição, o partido terá de se reorganizar. Para os petistas históricos, além de apurar, punir e depurar, é necessário ter mecanismos para evitar que os erros se repitam.

Singer até sugere que o partido adote o Orçamento Participativo - programa adotado por gestões petistas com o argumento de permitir que a população participe das decisões sobre investimentos públicos. ¿Acho que é um programa coerente com a nossa política e seria uma garantia de que desvios não ocorram mais, daria mais transparência.¿

Frei Betto defende uma ¿refundação¿ do PT, bandeira empunhada pelo ministro Tarso Genro quando assumiu a presidência do partido em meio à crise de 2005. E é incisivo ao cobrar do PT a apuração das denúncias.

Ele faz questão de ressaltar, no entanto, que a maioria dos mais de 800 mil militantes do partido é ¿gente séria, ética e idealista¿ e ¿não se pode confundir a meia dúzia que usurpou de sua autoridade com o conjunto do partido¿.