Título: O Bird investe no ensino privado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Notas e Informações, p. A3

Enquanto o governo continua empenhado em aprovar um projeto de reforma universitária que restringe a presença de capitais externos nas universidades particulares, sob o argumento de que a educação é um "bem público" e não simples "mercadoria", o Banco Mundial (Bird) acaba de investir US$ 12 milhões no ensino privado brasileiro. A operação é inédita no País e foi realizada por seu braço especializado em investimentos em empresas privadas, a International Finance Corporation (IFC). A agência financiou a aquisição, por um fundo de um banco, de 70% do controle acionário de uma instituição do interior de São Paulo que tem 20 mil alunos em quatro faculdades e um centro universitário.

Antes do Brasil, a IFC, que há seis anos abriu um departamento só para a área de educação, fez operações semelhantes no México, no Chile, no Peru e na Turquia e Nigéria. São economias emergentes que vêm investindo maciçamente na expansão de seus sistemas educacionais e tentam atrair de todas as maneiras universidades estrangeiras e capitais privados, para formar capital humano necessário ao crescimento econômico.

Nesses países, ao contrário do Brasil, não há preconceito ideológico contra a universidade privada nem sacralização da universidade pública. Ambas são valorizadas, cada uma cumpre uma função e as instituições particulares ajudam os governos na luta pela captação de recursos junto a órgãos multilaterais e instituições financeiras para financiar a expansão do ensino superior.

Graças a essa estratégia, as universidades chilenas já se destacam entre as melhores da América Latina. E, entre as universidades mexicanas, uma conseguiu a proeza de sair do 195º para 95º lugar no ranking das 200 melhores universidades do mundo divulgado em 2005 pelo Times de Londres. Com isso, o Chile e o México seguem a trajetória dos tigres asiáticos, como Coréia do Sul, Cingapura e Malásia, e dos países da União Européia, que vêm modernizando a educação superior. Eles têm em comum quatro diretrizes: internacionalização do ensino, diversificação, eficiência e abertura para financiamento privado.

Estimulando um relacionamento adequado entre os setores público e privado, essas reformas têm por objetivo capacitar o sistema universitário para lidar com as expectativas e necessidades dos novos alunos, independentemente de sua origem social ou étnica, consolidar a educação tecnológica, expandir o ensino profissionalizante e multiplicar o número de acordos de cooperação com centros de excelência. E, para evitar que nas escolas particulares prevaleça a preocupação com o lucro, sem que haja compromisso com a qualidade dos cursos, esses países exercem sobre elas rígidos controles, por meio de avaliações e indicadores de desempenho. Assinado pelos ministros da Educação da União Européia, por exemplo, o Acordo de Bologna foi concebido para preparar as universidades públicas e privadas européias para competir com as americanas e canadenses.

Entre nós, o nacionalismo retrógrado do governo continua tratando o setor educacional privado, que propicia educação superior a 70% dos estudantes brasileiros, como vilão e não como parceiro. Pelo projeto de reforma universitária, instituições estrangeiras e capitais externos só poderão ter 30% do controle acionário das universidades particulares. Se esse projeto já estivesse aprovado, o investimento realizado pela IFC não seria viável. E, se essa imposição tivesse prevalecido no passado, para evitar a "mercantilização do ensino", o País não teria criado o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma de suas melhores escolas de engenharia e berço de uma de suas maiores empresas, a Embraer. Durante anos, o ITA contou com a orientação de professores americanos e recebeu apoio financeiro externo privado.

Nosso sistema universitário teria muito a ganhar se, em vez de sua xenofobia tacanha, o governo tivesse sensibilidade para perceber a importância e o alcance da decisão do Banco Mundial. Ao realizar um investimento inédito, permitindo a uma instituição particular expandir-se criando vagas para alunos de baixa renda, o organismo mostrou o caminho que o País tem de seguir para elevar o nível de escolaridade das novas gerações e forjar os quadros de profissionais de que tanto necessita para crescer.