Título: Os homens que espremeram Vedoin
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Nacional, p. A6

Schneider, juiz, e Avelar, procurador, fazem empresário escancarar máfia

Angélica Santa Cruz

Dono de memória precisa e língua afiada, o empresário Luiz Antônio Trevisan Vedoin já falou durante 132 horas a respeito da máfia dos sanguessugas que ajudou a montar - contando seus depoimentos à Justiça Federal de Mato Grosso e à CPI que investiga o caso. Gaúcho criado em Cuiabá, 31 anos, pai de uma menina de 2, chamado em casa pelo diminutivo Luizinho, Vedoin abriu a boca pela primeira vez na manhã de 3 de julho.

Depois desse marco zero, iniciou sua longa versão de como uma empresa privada teria conseguido colocar no bolso um quinto do Congresso Nacional e 23 prefeitos. A torrente foi uma espécie de final feliz em uma guerra de nervos empreendida silenciosamente em Cuiabá - e que teve como principais personagens o juiz da 2ª Vara Federal de Mato Grosso, Jeferson Schneider, e o procurador da República Mario Lúcio Avelar. Juntos, eles são os homens que espremeram Vedoin.

De vez em quando, Luiz Vedoin ainda precisa de uns estímulos para contar o que sabe. Na semana passada, só se animou a sair de seu apartamento em Cuiabá, embarcar para Brasília e sentar diante da CPI depois de ser pressionado por Schneider. Como foi apenas convidado, o empresário resolveu não ir. No mesmo dia, recebeu o recado do juiz: se não fosse, perderia sua liberdade provisória, concedida como parte de um acordo de delação premiada. Na mesma noite, Vedoin estava com a passagem comprada. Na quinta-feira, falou por 7 horas. Na sexta, respondeu a perguntas dos parlamentares por mais 6 horas. E não foi muito difícil tirar mais coisas dele. "Ele já está mesmo pronto a dizer tudo", definiu seu advogado, Otto Medeiros de Azevedo Junior.

Os homens que fizeram Vedoin escancarar o esquema dos sanguessugas integram uma geração de juízes de primeira instância e procuradores que não se fazem de rogados na hora de seguir suas prerrogativas de interrogar e investigar - às vezes, até o limite da polêmica.

O juiz Jeferson Schneider tem 37 anos, é casado com uma psicóloga e nasceu no Rio Grande do Sul, mas mudou para Mato Grosso ainda na infância. Anda em uma cadeira de rodas desde que sofreu um acidente de carro, quando cursava o primeiro ano de Direito na Universidade Federal de Mato Grosso.

É discreto, detalhista, conhecido por seus interrogatórios minuciosos. Já atuou em casos barulhentos. Mandou para a cadeia o deputado federal Jader Barbalho, por desvios na Sudam. Foi o primeiro magistrado a condenar um madeireiro por invasão de terras indígenas. Deixou o Exército em polvorosa ao conceder liminar permitindo a apreensão de documentos sobre a guerrilha do Araguaia na 23ª Brigada de Infantaria de Selva de Marabá, no Pará.

Mario Lúcio Avelar tem 40 anos e é descrito por amigos como "um homem que vive a procuradoria 24 horas por dia" e "tem um namoro firme há 9 anos". É mineiro de Belo Horizonte e está em Cuiabá há dois anos. Antes de ir para Mato Grosso, passou por três Estados - e anda às voltas com histórias explosivas.

Participou das investigações do caso Waldomiro Diniz, foi o autor do pedido de diligência que encontrou R$ 1,34 milhão na empresa de Roseana Sarney e integrou a Operação Curupira, que resultou na prisão de madeireiros e funcionários do Ibama. Agora, ele encontrou mais uma forma de incomodar os políticos de Brasília, direto de Cuiabá.

Schneider e Avelar dissecaram Vedoin em uma sala no segundo andar do Fórum de Justiça Federal de Cuiabá - em sessões que começaram no dia 3 de julho e foram até o dia 11, tiveram início às 9h30 e entraram noite adentro. "O rapaz tem uma inteligência privilegiada. À medida que falava, ficávamos surpresos com a maneira como ele lembrava de cada detalhe do esquema", lembra Avelar.

QUEDA-DE-BRAÇO

Durante horas seguidas, Vedoin traduziu para o juiz centenas de conversas captadas em escutas telefônicas. Eram diálogos extensos e cada detalhe mal explicado era motivo para mais uma bateria de indagações. Algumas vezes, Vedoin achou que as perguntas eram exageradas e respondeu com impaciência. "Isso aí não tem importância...", chegou a dizer. Mas no geral acrescentava detalhes por conta própria.

Em outra etapa, Vedoin teve sua versão dos fatos cotejada com o que dizia o resto da família, principalmente seu pai, Darci. Cada pequena contradição era rebatida. Ainda assim, raramente o empresário mostrava dúvidas na hora de responder. Do depoimento, saiu o relato de 150 páginas que serviu de base para o trabalho da CPI.

A longa confissão do empresário foi o resultado de quatro anos de investigações e de dois meses de uma queda-de-braço psicológica para convencê-lo a falar. Em 2002, procuradores do Acre toparam com indícios de fraudes fiscais nos negócios entre prefeituras locais e a empresa da família Vedoin, a Planam. Avisaram os colegas de Mato Grosso. Nos anos seguintes, foi colocada em prática uma operação que teve ajuda da Receita Federal e da Polícia Federal.

Os procuradores puderam investigar ex-deputados, por conta de uma decisão do STF que suspendeu o foro privilegiado para quem já não ocupa cargos. Mas, a cada vez que aparecia o nome de um parlamentar em exercício, ficavam de mãos atadas. Em junho, Mario Lúcio Avelar e os outros dois procuradores que participam da investigação, Marcelo Borges Matos Medina e Paulo Gomes Ferreira Filho, enviaram denúncia contra 81 suspeitos de integrar o esquema dos sanguessugas para a Justiça Federal. Schneider entrou em campo. De saída, mandou para a cadeia seis integrantes da família Vedoin.

Foram presos o patriarca Darci José, sua mulher Cléia, os filhos Luiz Antônio e Alessandra, o genro Ivo Marcelo e a nora, Helen Paula. Deixado em um anexo do presídio Pascoal Ramos, o clã - que meses antes dava festas concorridas, aparecia nas colunas sociais dos jornais de Cuiabá e, de acordo com pessoas de sua convivência, até ali vivia em um mundo paralelo em que tudo se resolvia por conta de seus contatos com políticos - entrou em parafuso. Darci caiu em depressão, Cléia tinha crises nervosas.

Schneider e Avelar começaram a negociar a delação premiada.

A negociação para que a família entregasse o jogo foi prejudicada pela troca de advogados - desde que foram presos os Vedoin tiveram quatro defensores - e por uma decisão do Tribunal Regional da 1ª Região de suspender a prisão, depois revogada pelo Supremo Tribunal Federal.

Mas, depois de 54 dias de cadeia, Darci conversou com o filho e ambos decidiram negociar garantias para contar tudo. "A lógica foi a seguinte: de quatro em quatro anos o Congresso é renovado. Nossa família é para sempre e ficou em frangalhos com tudo isso. Então é dizer o que sabemos para reconstruir a vida de outra forma", disse ao Estado Ivo Marcelo, genro de Darci e um dos integrantes do esquema.

Luiz Antônio Vedoin, apontado como a inteligência por trás do esquema, começaria a falar, com a garantia de que todos tivessem direito à liberdade provisória. "Agora vou contar tudo", anunciou. Os procuradores e o juiz arregaçaram as mangas para ouvir. E o empresário está falando até agora.