Título: Neoconservadorismo pode ser fatal
Autor: Eduardo Salgado
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Internacional, p. A20

Especialista diz que enfoque dos Estados Unidos e Israel no Oriente Médio não levará a uma solução

Nathan Gardels, GLOBAL VIEWPOINT

Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de Segurança Nacional do ex-presidente americano Jimmy Carter, conversou com Global Viewpoint sobre a situação no Oriente Médio.

Israel derrotou os grandes Estados árabes em seis dias de guerra, mas não foi capaz de derrotar o Hezbollah depois de mais de uma década de ocupação, encerrada em 2000; e agora não consegue impedir os ataques com mísseis após três semanas de intensos ataques aéreos e de artilharia, além de operações especiais em terra. Isto significa que o Hezbollah "venceu" ao enfrentar Israel, abalando a dissuasão israelense ao mostrar que o país não é invencível?

É importante reconhecer que Israel derrotou exércitos formais liderados, na maioria dos casos, por regimes ineficazes e muitas vezes corruptos. O Hezbollah promove uma guerra assimétrica contra Israel com base num apoio cada vez mais radicalizado e até mesmo fanatizado. Portanto, a resposta é sim - Israel terá muito mais dificuldade para enfrentar isso do que teve no caso anterior.

Ao longo dos anos, políticos linha-dura israelenses como Ariel Sharon e Binyamin Netanyahu argumentaram que Israel vive numa vizinhança difícil, onde seus inimigos só entendem a força. Os neoconservadores americanos usaram o mesmo argumento - o de que a invasão unilateral do Iraque teria um efeito demonstrativo do poder esmagador dos EUA que intimidaria a "vizinhança difícil", submetendo-a aos objetivos de Washington. Isto não se mostrou equivocado? A superioridade militar, como um instrumento cego, não levaria à eterna inimizade, em vez da segurança?

Essas receitas neoconservadoras, das quais Israel tem seus equivalentes, são fatais para os EUA e, no fim das contas, para Israel. Voltarão a esmagadora maioria da população do Oriente Médio totalmente contra os EUA. As lições do Iraque falam por si. No final das contas, se as políticas neoconservadoras continuarem a ser promovidas, os EUA serão expulsos da região, e isto será o começo do fim também para Israel.

A morte de tantos civis inocentes em Qana, no sul do Líbano - como o massacre em Haditha, Iraque, cometido por soldados americanos -, não enviaria uma mensagem aos árabes e iranianos segundo a qual o "novo Oriente Médio" vindo dos EUA e de Israel significará ocupação e carnificina? Até Shirin Ebadi, dissidente iraniana que ganhou o Prêmio Nobel da Paz, disse recentemente que os iranianos preferem sofrer sob os mulás a suportar os horrores que vêem no Iraque.

É exatamente por isso que as políticas neoconservadoras são terrivelmente perigosas tanto para os EUA quanto para Israel.

Que rumo seguirá a diplomacia americana na região depois do conflito entre Israel e o Hezbollah?

Hoje, a novidade é que fica cada vez mais difícil separar o problema israelense-palestino, o problema iraquiano e o Irã. Nem os EUA nem Israel têm capacidade de impor uma solução unilateral no Oriente Médio. Algumas pessoas podem se iludir acreditando nisso. A solução da questão israelense-palestina só será possível se houver um envolvimento internacional sério que apóie os moderados de ambos os lados, sejam muitos ou poucos, mas também crie uma situação na qual seja do maior interesse das partes em guerra alcançar um entendimento em vez de resistir, por causa dos incentivos e também da capacidade da intervenção externa de impor custos.

Há pouco tempo, quando o primeiro-ministro iraquiano (Nuri) al-Maliki criticou duramente Israel no conflito no Líbano, vimos um indício do que está por vir. A idéia de que os EUA conseguiriam um Iraque dócil, democrático, estável, pró-americano e amigo de Israel é um mito que desmorona rapidamente. É por isso que os EUA precisam começar a conversar com os iraquianos sobre o dia de nosso desengajamento. Não devemos sair de modo precipitado. O embaixador americano no Iraque, (Zalmay) Khalilzad, disse-me que quatro meses seriam um prazo precipitado. Concordo. Mas precisamos concordar que os EUA vão sair em algum período depois disso.

Quanto ao Irã, fizemos aos iranianos uma oferta razoável. Não sei se eles têm inteligência para responder favoravelmente ou pelo menos de um modo que não seja negativo. Tendo a acreditar que eles provavelmente responderão de um modo não negativo, mas também não positivo, e tentarão paralisar o processo. Mas isso não é tão ruim, desde que eles não o rejeitem.

Embora o problema nuclear iraniano seja sério e os iranianos estejam marginalmente envolvidos no Líbano, o fato é que a ameaça que eles representam não é iminente. Por isso, há tempo para lidarmos com ela. Às vezes, na política internacional, o mais sábio é adiar os perigos em vez de tentar eliminar todos instantaneamente. Essa tentativa produz reações intensas que são destrutivas. Temos tempo para lidar com o Irã, desde que o processo seja lançado, tratando do problema da energia nuclear, o que pode ser ampliado para envolver também negociações sobre a segurança na região. Em última análise, o Irã é um país sério, não é o Iraque. Estará entre nós. Será um ator. E, no prazo histórico mais longo, o país tem todas as precondições para uma evolução interna construtiva se considerarmos os índices de alfabetização, o acesso à educação superior e o papel das mulheres na sociedade.

Os mulás são parte do passado do Irã, não de seu futuro. Mas a mudança no Irã virá com envolvimento, não com o confronto. Então, se promovermos essas políticas, talvez possamos evitar o pior. Se não o fizermos, temo a explosão da região. No longo prazo, Israel correria um grande risco.