Título: 40 mil buscam refúgio em Jerusalém
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Internacional, p. A22

Outrora abalada por atentados, cidade é considerada segura por quem foge de mísseis do Hezbollah

Daniela Kresch, ESPECIAL PARA O ESTADO, JERUSALÉM

As vielas da Cidade Velha de Jerusalém borbulham de gente. O mesmo acontece na Ben-Yehuda, a mais conhecida rua de pedestres da parte moderna da cidade. Nos hotéis, a taxa de ocupação é de 100%. Nos centros comerciais, visitantes fazem a alegria do comércio, além dos taxistas e do setor hoteleiro.

A realidade em Jerusalém, nas últimas três semanas, não lembra em nada a situação da cidade desde o começo da segunda intifada palestina. De "perigosa", Jerusalém se transformou em "refúgio" para milhares de habitantes do norte do país, que fogem dos foguetes lançados diariamente pela guerrilha xiita Hezbollah.

Dos 26 atentados suicidas cometidos por militantes palestinos desde setembro de 2000, 12 foram em Jerusalém. Só na cidade, mais de 500 pessoas morreram em ataques a ônibus, restaurantes e shopping centers.

O terrorismo fez com que a quantidade de turistas despencasse de 3 milhões, em 1999, para 46 mil, em 2003. No ano seguinte, a situação melhorou. O último atentado suicida na cidade foi registrado em fevereiro de 2004. Este ano, a expectativa era a de que os turistas voltassem, mas aos poucos.

"Aqui é o lugar mais seguro do mundo", garantem, em uníssono, os namorados Shirli Weiner, de 24 anos, e Meir Zisser, de 26, ambos de Nahariya, uma das cidades mais atingidas pelos foguetes do Hezbollah. Em visita ao local mais sagrado para o judaísmo, o Muro das Lamentações, Shirli e Meir contam que já estão em Jerusalém há dez dias, hospedados gratuitamente numa escola religiosa que abriu as portas para quem fugiu do conflito no norte. "Não temos medo de homens-bomba. Deus vai nos proteger", garante Shirli.

Estima-se que mais de 300 mil israelenses deixaram suas casas em busca de abrigo no centro ou no sul do país. Ainda não há números oficiais, mas algo em torno de 40 mil teriam ido para Jerusalém. Na grande maioria eles não têm condições de pagar longas estadias em hotéis e buscam a caridade de famílias que os hospedem.

É o caso de Matan e Meital Benzaquem, de 23 e 21 anos, residentes da pacata cidade de Safed, outro alvo freqüente dos foguetes. Grávida de nove meses, Meital se desesperou com a possibilidade de dar à luz seu primeiro filho em um abrigo antiaéreo e pediu à prefeitura que a ajudasse a encontrar um lugar para ficar. "Ficamos uma semana em Safed, mas não agüentei a pressão das sirenes, dos estrondos... A gota d'água foi quando meu prédio foi atingido e todos os vidros do meu apartamento quebraram."

O casal acabou sendo recebido, em Jerusalém, pelos brasileiros Pnina e Shmuel Gershon, de 25 e 27 anos, que vieram de São Paulo há três anos. Apesar dos quatro filhos pequenos, Pnina diz não se importar em receber estranhos. "Eles fariam o mesmo por mim, se eu precisasse", diz a brasileira.

A fuga em massa de refugiados para Jerusalém lembra a primeira Guerra do Golfo, em 1991. Certos de que o ex-ditador Saddam Hussein não teria coragem de atacar a cidade, a terceira mais importante para o islamismo, milhares correram para lá. Dito e feito: Saddam só atacou a costa israelense, principalmente Tel-Aviv e Haifa.

A lógica agora é a mesma. Para os refugiados israelenses, o líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, evitaria usar os mísseis iranianos Zilzal, de longo alcance, contra Jerusalém. De fato, Nasrallah ameaçou bombardear Tel-Aviv, mas não a cidade onde fica a famosa mesquita do Domo da Rocha. Segundo o islamismo, foi de lá que o profeta Maomé subiu aos céus.