Título: Faltam vagas em todo país
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Vida, p. A28

Em dois anos, déficit será de 4.400 postos para especialização

SIMONE IWASSO

As universidades formam mais médicos, o sistema de saúde se expande, o perfil da população muda, mas as vagas para especialização continuam as mesmas. Nesse ritmo, segundo estudo feito pela Universidade de São Paulo (USP) financiado pelo Ministério da Educação, haverá um déficit de 4.400 vagas em dois anos - hoje, são 1.700.

¿No Brasil, a gente sabe o que fazer com a graduação e sabemos como está a pós-graduação stricto sensu. A residência ficou como terra de ninguém entre a saúde e a educação. Mas vemos um movimento de rediscussão disso, estamos começando a buscar equilíbrio¿, diz Maria do Patrocinio Tenorio Nunes, professora da USP e conselheira do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

Ela se refere ao descompasso entre as áreas em que as vagas são abertas e as necessidades do País. Por exemplo, no Sudeste, onde estão 42% da população, estão 58% dos médicos e 62% das vagas de residência. Na região Norte, estão 10% da população e uma porcentagem semelhante dos médicos, mas somente 2% dos programas.

O mesmo acontece com as modalidades. Apesar de não haver dados, especialistas afirmam que há falta de pediatras, intensivistas, neonatologistas, psiquiatras, oncologistas e oftalmologistas, esta última, uma das menos procuradas pelos recém-formados, com apenas 63% das vagas preenchidas. As residências mais procuradas, e as que concentram mais vagas, são as de cirurgia-geral, clínica médica e ortopedia - procura explicada por serem, as duas primeiras, pré-requisito para outras especialidades.

¿Precisamos de uma ampliação grande da oferta de residência, mas como não existem políticas que analisem onde e quais vagas são abertas, há um silêncio sobre o assunto¿, afirma Laura Feuerwerker, especialista em administração de serviços de saúde da Universidade Federal Fluminense.

A conseqüência direta tem sido, nos últimos anos, uma proliferação dos cursos oferecidos pelas sociedades médicas - que apesar de não serem reconhecidos oficialmente como residência, e não passarem nem por avaliações nem fiscalizações, acabam abrigando parte dos recém-formados. Como não existem legalmente, também não há dados sobre quantos desses ¿estágios¿, como são chamados pelos médicos, existem. No fim do processo, os recém-formados podem prestar a prova para o título de especialista. ¿Eles fazem o mesmo que um residente, e de graça. Só que enquanto a residência tem 60 horas semanais, e isso não é à toa, tem alguns cursos desses com só 360 horas por ano. A qualidade e o projeto variam muito¿, avalia Laura.

A convivência nos hospitais também acaba sendo difícil. ¿Fica sendo uma desculpa para a precarização do trabalho. E não se fala abertamente sobre isso em muitos hospitais¿, diz Helena Peta, residente de infectologia do Hospital das Clínicas da USP e presidente da associação dos médicos residentes de São Paulo.