Título: Trabalha 60 h por semana e ganha menos que flanelinha
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Vida, p. A28

'É uma inversão de valores. O que recebemos é incompatível com a exigência', reclama residente

O vestibular na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) foi concorrido. A graduação, longa. Com uma especialização em cirurgia-geral e em seu primeiro ano de residência em urologia, Antônio Tavares, de 30 anos, passa mais de 60 horas semanais envolvido com a profissão que escolheu. Porém, ganha menos do que um flanelinha.

"Não dá nem R$ 6 por hora. Tem muito guardador de carros que tira mais que isso. É incompatível com a exigência", diz ele, residente do Hospital Souza Aguiar, onde funciona a maior emergência do País, no centro do Rio. A saída para complementar o orçamento é uma rotina desgastante. "Todo mundo tem outra atividade."

Há dois anos na especialização em anestesiologia, Marcelo Augusto Mallet, de 32 anos, sabe muito bem do que fala o colega. Na quinta-feira, entrou às 19h30 no Souza Aguiar para o plantão de 12 horas. Saiu às 7h30 direto para outra jornada, encerrada às 13 horas. "Tenho ainda outros compromissos." Por sorte, a madrugada no hospital foi tranqüila, só dois atendimentos. "Dormi umas quatro horas", comenta ele, que integra a diretoria da Associação dos Médicos Residentes do Estado do Rio.

O residente mineiro Luís Henrique Serra Miranda, de 26 anos, faz malabarismos para garantir uma renda superior à bolsa do MEC e assegurar seu sustento na capital. Natural de Alfenas, no sul do Estado, formou-se em 2003, na Unifenas. Chegou a Belo Horizonte credenciado por ter conquistado naquele ano, entre mais de 10 mil candidatos, a maior nota no Provão, em todo Brasil, em Medicina.

Miranda passou dois anos como residente de cirurgia-geral e agora está no primeiro ano de urologia no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). " Tenho de conviver com essa rotina por mais dois anos, esse massacre", desabafa, referindo-se à necessidade de alternar o trabalho no hospital com plantões nos finais de semana no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da prefeitura. Aos R$ 1,2 mil que ganha do MEC, soma outros R$ 1,2 mil, no plantão de 12 horas. Seus gastos com alimentação, aluguel e transportes, entre outros, não saem por menos de R$ 1 mil.

Mas as reclamações vão além da remuneração e do desgaste de horário. Residente em pediatria de um hospital público da zona sul do Rio, uma médica de 26 anos que pediu anonimato reclamou da falta de orientação. "A residência, por princípio, é um estágio remunerado e supervisionado por especialista. Na maioria das vezes, isso não acontece. Não tenho ninguém responsável por mim. Se precisar de ajuda, tenho de descer vários andares para falar com alguém que nem sequer sabe da situação dos pacientes."

A saída para tentar acabar com isso é denunciar, alertou Pereira, que também integra a direção da Associação Estadual de Médicos Residentes. Segundo disse, há casos nos quais as irregularidades são resolvidas internamente. Em outros, é preciso comunicar à Comissão Estadual de Residência Médica. Ele lembra o caso de um hospital psiquiátrico fechado por inexistência de médico orientador. KARINE RODRIGUES E EDUARDO KATTAH