Título: Matéria-prima escassa para remédios pode gerar crise
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2006, Nacional, p. A10

Uma carência histórica precisa ser rapidamente superada, sob pena de fazer o sistema de saúde do País entrar numa grave crise, avalia a química Eloan Pinheiro: a baixa produção de matéria-prima para remédios. Com experiência de quem ao longo de vários anos foi diretora do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) e funcionária da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a área de medicamentos, Eloan adverte: "Já dormimos muito no ponto. China e Índia estão aí, com preços baixos. Nossa indústria não vai conseguir competir, o setor pode quebrar. E aí teremos o inevitável: a dependência total do mercado externo."

O Brasil, afirma ela, importa cerca de 80% da matéria-prima para fabricação de medicamentos, dos mais baratos aos mais caros. E é a matéria-prima o fator mais importante na definição do preço final do remédio: 70% do valor corresponde ao custo da matéria-prima. "Outros países fizeram um investimento importante nas suas indústrias. Não fizemos o mesmo. E o resultado é este: compramos caro, não produzimos, não conseguimos vender. Ao mesmo tempo, deixamos de economizar, de ganhar dinheiro e, o pior, não temos segurança nenhuma." Ela observa que, se o preço da matéria-prima subir muito, o Brasil não tem como negociar.

A saída, afirma Eloan, é adotar uma política de incentivo à indústria farmacêutica e aos laboratórios. "Mas não é programinha para inglês ver. Tem de ser algo pesado, uma escolha séria: abrir mão de algumas coisas agora para ganhar no futuro." Para fortalecer a indústria nacional, afirma, seria preciso haver políticas de incentivos, com juros mais baixos para o setor e menos impostos. E ela não descarta nem mesmo a reavaliação da necessidade de licitações, onde o que vale mais é o preço menor. "O assunto deveria ter o status de segurança nacional."

A química apresentou ao governo, em 2004, lista com 31 matérias-primas de medicamentos prioritários para serem produzidas no País. Nada foi feito. "Isso exige coragem, pois várias medidas podem desagradar a alguns setores." Foi o caso, por exemplo, do uso da licença compulsória para medicamentos usados no tratamento de aids. "O mundo esperava por isso e, na hora H, o Brasil recuou", observa.