Título: Os trunfos iranianos na disputa com a
Autor: Gilles Lapouge
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2006, Internacional, p. A18

O ultimato da ONU exigindo que o Irã suspenda o enriquecimento de seu urânio expirou quinta-feira. Será que o regime do aiatolá Ali Khamenei e do presidente Mahmud Ahmadinejad se submeteria a ele? O Ocidente, ansioso, estava na expectativa. E a resposta veio: os iranianos introduziram quinta-feira pequenas quantidades de carburante, o gás hexafluoreto de urânio, em suas centrífugas. Esta foi sua resposta à ONU: uma contundente "banana".

O que acontecerá agora? Será que a ONU deveria fulminar o Irã com as sanções previstas em caso de recusa iraniana pela Resolução 1.696, aprovada pelo Conselho de Segurança em julho? Seriam basicamente sanções financeiras e a interdição de vistos para as autoridades iranianas. Será que isso faria os iranianos tremerem?

De jeito nenhum. Os iranianos estão se divertindo. Eles pouco se importam. Seu estranho presidente, Ahmadinejad, este homem barroco que quer fazer de seu país uma potência nuclear, no mínimo para poder varrer Israel do mapa, sente-se o dono do jogo.

E, no entanto, a correlação de forças não parece jogar a seu favor. O Irã, sozinho, enfrenta a ONU - sobretudo os cinco países poderosos do Conselho de Segurança (EUA, França, Inglaterra, Rússia, China) - e toda a Europa. Ora, apesar disso tudo, é o Irã que está em posição de força.

Uma primeira razão para isso é a morosidade dos instrumentos da ONU. Serão necessárias duas semanas de consultas para que as Nações Unidas possam definir exatamente que sanções pretendem adotar. Será preciso, sobretudo, obter a concordância de dois dos membros permanentes do Conselho de Segurança com direito a veto, a Rússia e a China. Esses dois países sempre pouparam o Irã, seja mantendo com ele relações econômicas suculentas (petróleo, etc.), seja temendo que um braço-de-ferro com o Irã acabasse incendiando todo o Oriente Médio.

Este é o caso da Rússia, que teme uma repetição do cenário iraquiano. As potências européias compartilham, aliás, essas apreensões da Rússia.

O Ocidente paga assim muito caro pelas trapalhadas de suas últimas empreitadas no Oriente Médio. Sobretudo, claro, a catástrofe do Iraque, mas também o recrudescimento dos combates com o Taleban no Afeganistão, as tentações islâmicas do Paquistão e, por fim, recentemente, a operação lançada por Israel contra o Hezbollah e o Líbano.

Essas ações mobilizaram contra o Ocidente todas as opiniões públicas árabes e muçulmanas (mesmo em países aliados dos EUA). Pior: o fracasso sangrento dos americanos no Iraque e os dissabores das invencíveis Forças Armadas israelenses no Líbano deixaram em farrapos o mito da superioridade esmagadora do Ocidente sobre o Oriente Médio. O Ocidente, graças ao Iraque e ao sul do Líbano, deixou de causar medo. Especialistas militares confirmam. Eles calculam que os EUA, exauridos pelo Iraque, não estariam em condições de atacar o Irã, mais poderoso que o Iraque - a menos que se dispusessem a utilizar armas nucleares, uma hipótese apocalíptica e, portando, excluída.

O Irã, por sua vez, possui trunfos consideráveis: enquanto o Conselho de Segurança da ONU está dividido sobre a atitude a tomar, o presidente iraniano goza, ao contrário, do consenso de seu povo sobre a questão nuclear. Embora Ahmadinejad seja duramente criticado por grande parte dos iranianos por sua megalomania, seu autoritarismo, a censura, a pobreza crescente da população, a arma nuclear conta com o entusiasmo da totalidade do povo iraniano. Essa bomba é o orgulho do povo iraniano.

"Esta bomba é nosso direito", dizem as ruas iranianas, "um direito inalienável, sobretudo para um país (a antiga Pérsia, hoje o Irã) com uma história milenar, enquanto Estados com apenas 50 anos de existência, como Israel ou o Paquistão, já são ambos potências militares nucleares."