Título: Quebra-cabeça de um favoritismo
Autor: Andréa Barros e Mônica Manir
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2006, Aliás, p. J4

Ainda que o ritmo de crescimento da economia brasileira continue caindo, ainda que o ex-ministro da Saúde de seu governo tenha sido indiciado por corrupção no caso dos sanguessugas, ainda que se recuse a ocupar a cadeira que lhe é reservada nos debates, ainda que, ainda que... só deu ele. A um mês das eleições para presidente, Luiz Inácio Lula da Silva coleciona a dianteira em todas as pesquisas de intenção de voto - Estado/Ibope, Datafolha, CNT/Sensus, Vox Populi e TV Globo/Ibope - , apesar de, na última, ter tido uma queda de 1% na simulação de primeiro turno e de 3% na de segundo. Todas elas apontam, porém, que Lula ganharia no primeiro turno, se o pleito fosse hoje.

Até agora não há escândalo ou denúncia que consiga trincar sua imagem. É como se Lula estivesse envolvido por uma película de politetrafluoretileno - aquela que não deixa a comida grudar na panela. Pelo menos por enquanto, tem escapado pelas bordas das sujeiras relacionadas ao PT ou ao seu governo. ¿Quantos presidentes chegariam aonde estamos hoje, com a aceitação que temos hoje, depois que passamos por tudo isso?¿, questionou o próprio chefe da Nação na segunda-feira passada, em um encontro com intelectuais em São Paulo. Sem negar a existência do mensalão, Lula completou: ¿Todo mundo achou que nós tínhamos acabado. Mas ressurgimos mais fortes do que nascemos¿. Como se explica esse efeito fênix? E o efeito teflon? O Aliás convidou estudiosos da política nacional para refletir sobre esse favoritismo do candidato-presidente.

COM DINHEIRO PÚBLICO

¿Limito-me a constatar que o governo desfruta de índices de aprovação elevados, não quero discutir se ele foi de fato bom ou mau. Os elevados índices e a força de Lula entre as camadas de baixa renda comportam explicações objetivas. De um lado, o momento positivo que a economia brasileira vem atravessando - graças à estabilidade conquistada no governo anterior e a um ambiente internacional excepcionalmente favorável. De outro, o Bolsa-Família, por meio do qual Lula tornou praticamente cativo o eleitorado pobre do Nordeste. Não vem ao caso discutir aqui os pontos positivos e negativos do Bolsa-Família como programa de política social, o registro a fazer é que Lula o transformou no maior cabo eleitoral da história da República - com dinheiro público, obviamente.¿

ELEIÇÃO (DES)PLEBISCITÁRIA

¿À primeira vista a eleição é plebiscitária, mas vamos ver isso com mais cuidado. A possibilidade da reeleição para um segundo mandato, admitida pela reforma constitucional de 1997, de fato reforça o sentido plebiscitário. Teoricamente, essa característica teria sido também reforçada pela polarização entre governo e oposição. Lula usou o rolo compressor do governo para tirar o PMDB da disputa, ficando o protagonismo limitado a ele e Alckmin, e à senadora Heloisa Helena, como possível terceira força. É lógico que estou simplificando a história real. No entanto, o conceito de eleição plebiscitária refere-se também a uma disputa com a concentração das atenções em uma única questão. Esta eleição, em especial, não é acirrada, ao contrário, é um marasmo como nunca se viu, e não gira em torno de uma questão central, aliás não gira em torno de questão alguma. Se a corrupção evidenciada pelo `mensalão¿ tivesse permanecido como issue dominante, aí sim, o eleitorado tenderia a se dividir em pró e anti-Lula, essa divisão se espalharia em círculos concêntricos e a vantagem tenderia a diminuir. O que estamos vendo é aquela história de vaca estranhar bezerro: pressentindo a reeleição de Lula, candidatos a governador, sobretudo esses, começam a `cristianizar¿ o Alckmin. Como Alckmin não decolou, os apoios não vieram, e, como não vieram, a decolagem ficou difícil. O que ocorreu foi, portanto, o oposto de um plebiscito, uma diluição de todas as questões, e, desde logo, da mais radioativa de todas, a da corrupção.¿

CULPA CATÓLICA

¿A expressão `carisma¿ do presidente não me diz muita coisa. A meu ver os fatores decisivos são, primeiro, a capacidade de comunicação do Lula, que realimenta no povão a idéia de que ele `é como nós¿; segundo, esse clima ideológico de `purgação de pecados sociais¿, a consciência culpada pela má distribuição da renda e da riqueza no Brasil, criado principalmente pela Igreja Católica. De umas três décadas para cá, o bordão tem sido esse, não obstante o seu simplório anticapitalismo e sua total carência de perspectiva histórica. Por ser Lula um presidente de origem humilde e o PT um partido retoricamente identificado com os necessitados, a sociedade inteira, inclusive grande parte da classe média, lhes tem concedido o benefício da dúvida. Desde sua fundação, o PT vestiu esse figurino de superego, e é fácil ver como, nos escândalos de 2005 e 2006, ajudou a `frear¿ a indignação popular contra a corrupção, uma vez que manifestá-la equivalia a cobrar as responsabilidades do presidente e de seu partido. Não demandou a aplicação rigorosa das leis, como ocorreria com qualquer outro governo. Não é difícil imaginar o que teria acontecido se os principais envolvidos no `mensalão¿ fossem os grandes partidos `burgueses¿ - do PSDB, PMDB ou PFL. Obviamente teria havido proposta de impeachment, e o PT teria sido o primeiro a mobilizar o `clamor das ruas¿. Aliás, mesmo denunciado como mentor do esquema e demitido da Casa Civil, o ex-ministro José Dirceu admitiu sem meias-palavras que cogitou convocar os `movimentos sociais¿ para defender o governo contra as `elites conservadoras¿.¿

NO PRESIDENTE NÃO COLA

¿A identificação do eleitor com o presidente é obviamente mais forte do que com um deputado ou senador. Salvo em caso extremo, como o do Collor, é claro que os eleitores não colocariam Lula no mesmo nível dos congressistas que mandaram assessores ou esposas ao banco pegar grossos pacotes de dinheiro `não contabilizado¿. No caso de eleitores muito pobres, é ainda mais complicado. Em geral, nem tomam conhecimento das irregularidades cometidas por políticos. E, ainda que tomem, se não sabem do que vão viver no dia seguinte, é fácil compreender que se interessem por benefícios imediatos e não por `abstrações¿ políticas. Nessas condições, o discurso sincero pode não esclarecer, o insincero com certeza confunde. A estratégia de defesa de Lula foi borrar as diferenças, desde o início, quando assumiu o discurso do `caixa 2¿, `somos todos iguais¿, etc. E o que faz ele quando passa a mensagem de que `política¿, no mau sentido, é coisa de deputado, do Legislativo ? Obviamente reforça um preconceito amplamente difundido na sociedade: política = corrupção = Legislativo. Os escândalos atingem sobretudo a política, despertam o viés da `antipolítica¿. Quem assistiu ao célebre debate de 1989 entre Lula e Collor, certamente se lembra de Collor usando o mesmo truque contra Lula. Logo de saída, Collor se dirigiu a Lula como `Senhor deputado¿, para começar a desestabilizá-lo.¿

NINGUÉM VOTA EM HERDEIROS

¿Lula se mantém no topo da pesquisas porque, em primeiro lugar e aos olhos de uma grande maioria da população, não está fazendo um governo ruim. Ruim é seu principal adversário. Geraldo Alckmin não tem presença. Ele escolheu uma tática tosca de apresentação ao se mostrar como herdeiro de Covas. Ninguém vota em herdeiros. Além disso, Covas não era um líder de massas. A memória mais recente que se tem do tucanato é a de Fernando Henrique Cardoso. Essa eleição, para mim, está polarizada: é um contra ou a favor de Lula, e um contra ou a favor de FHC.¿

O DESTINO DAS CLASSES

¿Se ele é avaliado positivamente pelas faixas mais pobres, também o é por uma vasta classe média. Um esquematismo vulgar afirmaria que a classe média tende a se bandear para o centro e para a direita. Isso não é verdade! Uma parte radicalizada tende para Heloísa Helena, mas o grosso vai com Lula. A classe alta, por sua vez, é inteiramente oportunista, não tem nenhum caráter. Deve se posicionar de uma maneira muito casuística, muito pragmática. A burguesia vem obtendo lucro com o atual governo. Pode até dar dinheiro ao Alckmin, mas vota no Lula.¿

TAPINHA NA BARRIGA

¿Em primeiro lugar, a pecha de corrupto não pega em Lula porque, por tradição, o presidente sai impune dos escândalos. Fora isso, Lula é boa-praça, dá tapinha na barriga das pessoas, é um político popular de fato, tal e qual Vargas. A UDN fez o que pôde para colar nele a imagem de corrupto. Não colou. Também não é plausível rotular José Serra como corrupto, com toda aquela tecnicalidade. O que ainda pode grudar em Lula é um preconceito antinordestino mal disfarçado, algo que já estava no início e que não deve fazer diferença nestas urnas. Há quem diga que ele tornou o movimento dos trabalhadores muito secundarizado. Com certeza será cobrado por isso e por outros fatos, mas no futuro. Aí o efeito teflon será nulo, como ocorre hoje com Maluf e Quércia. As denúncias de anos contra eles calaram fundo. Maluf talvez até consiga um mandato proporcional, mas nunca mais chegará ao majoritário. Quércia ocupa um terceiro lugar vergonhoso na disputa para o governo paulista.¿

PRIMEIRO E ÚLTIMO OPERÁRIO

¿Não importa muito o que Lula diz. Ele está na crista da onda, nada ofende. Pelo contrário: ao dizer que todos podem errar, demonstra aí uma espécie de reconhecimento de que não abandona os amigos. É o jeitinho brasileiro, a cerveja no fim de semana. Isso não o prejudica, em especial por causa do seu carisma, que vem de duas fontes. A primeira é o longo exercício de política que faz desde os tempos de líder sindical. Há 40 anos está nos jornais, nas tevês. O fato de ser a cara do povo brasileiro pesou contra no passado. Isso virou, em parte por causa daquela arrogância de FHC, aquele ar de Maria Antonieta. O Lula tem uma cara bonachona, incorporou o paz e amor, ficará marcado como o primeiro - e o último - operário que chegou ao poder. Mas ele também conseguiu carisma via PT, que durante muito tempo foi tido como ético. Lula seqüestrou uma parte desse carisma e o imantou em si próprio. Quando a desconfiança da população atingiu a legenda, ele se distanciou do partido.¿

ONDE COMEÇA O PRESIDENTE?

¿Quem está no governo tem muito poder. Se for contar as vezes em que Lula apareceu nos meios de comunicação... É como a pessoa que conta carneirinhos para poder dormir: tem que chegar ao milionésimo. Ninguém mais consegue distinguir onde começa o presidente e termina o candidato. É óbvio que a reeleição beneficia o presidente. Nos EUA, tiveram que reduzir a reeleição a um mandato porque Roosevelt se reelegeu quatro vezes.¿

A CADEIRA VAZIA

¿Não me surpreende que Lula continue favorito mesmo após o horário eleitoral. Vi apenas um caso em que a propaganda mudou o cenário das eleições. Foi quando Quércia bateu Antônio Ermírio de Moraes. No começo da campanha, o empresário disparou. Quércia era pouco conhecido, tinha sido apenas senador e prefeito de Campinas. Mas aí seu candidato a vice, Almino Afonso, passou a desbancar Antônio Ermírio de alto a baixo no horário eleitoral e Quércia decolou. Depois disso, não vi nada parecido. Quanto aos debates, seria ótimo se as emissoras de tevê e rádio fossem mais livres e quisessem, de fato, entrar na zona do agrião. O que vemos são ofensas pessoais. A cadeira vazia de Lula não o afetará de maneira alguma.¿

NA CARONA DE LULA

¿Lula tem a bolsa e a caneta do poder. Como todos os governantes que tentam a reeleição, sai com vários corpos na frente. Junte uma eleição casada, em que também concorrem deputados, senadores e governadores, e tem-se um efeito devastador, já que ninguém deseja se indispor contra o candidato que está liderando as pesquisas. Em certos locais do Nordeste, Lula tem 80% de aprovação. O próprio Aécio Neves não quer comprar briga com ele. Se a eleição fosse apenas para presidente, talvez o quadro fosse outro. A eleição casada alimenta as fomes.¿

O TIRO N'ÁGUA

¿FHC e seu grupo apostaram no sangramento de Lula. Acharam que o impeachment poderia transformar o presidente em vítima, o que de certo ocorreria. As classes pobres, que se identificam muito com ele, diriam: `É só um de nós chegar lá que os ricos querem tirar¿. Ocorre que o sangramento acabou sendo um tiro n'água porque desviou de Lula, atingiu o PT e, por tabela, todo o Congresso Nacional. Em razão da frustração, o voto nulo, especialmente para deputados, tende a ser maior do que nas eleições passadas. A oposição avaliou mal a capacidade de sobrevivência e a popularidade de Lula.¿

APOSTANDO NO FAVORITO

¿Verdade seja dita: brasileiro gosta de votar em quem vai ganhar. Não somos exatamente um povo competitivo, como o americano. A questão é o subdesenvolvimento político, ou seja, a baixa consciência em relação a programas, alianças políticas, etc. O Lula já aparece como vencedor - e de um eleitorado que está sendo atendido com medidas emergenciais, paliativas, assistencialistas, seja lá o nome que se queira dar. O voto obrigatório também não ajuda muito. Nos países de voto livre, há uma série de outras variáveis que leva o cidadão a se manifestar nas urnas.¿

INTUIÇÕES ÓTIMAS

¿Sanguessuga e mensalão são nomes que pegaram. As pessoas entendem que alguém está roubando, que alguém está recebendo por fora. Ao mesmo tempo, se um sanguessuga asfaltou a rua ou levou uma ambulância para o município carente, o cidadão, ainda que desconfiado de que aquela ambulância custou cinco vezes mais, vota no candidato. O personalismo na política é tão grande no Brasil que impede a visão global da ética pública. Esquece-se que recurso público é tirado das necessidades do povo para privilégio de alguns. Os escândalos não pegaram em Lula porque todo caso de carisma é exaltação de persona. Não existe carisma sem personalismo. Lula tem isso de forte, sempre teve. Ao mesmo tempo que comete gafes pavorosas, tem intuições ótimas. Quando fala de improviso, mostra um talento extraordinário para transformar o discurso solene em algo que o povo entende. Faz todo o sentido usar metáforas de futebol no país do futebol. Se FHC tentasse algo do gênero, soaria demagogo, mas Lula é do povo, veio do povo, parece sincero e honesto. Conheço gente que está muito aborrecida com ele, mas diz que não quer conversar com Lula porque tem medo de ficar encantada novamente.¿

CAMPO PARA AVENTUREIROS

¿FHC foi eleito nas águas do real. As águas de Lula são duas, e nos extremos. Ele agrada aos setores dominantes do capital financeiro e agrada ao povão. A maior dificuldade dele é conquistar a classe média, e ele tem grande interesse nisso. Afinal, política assistencialista e compensatória pode ser feita por outro tipo de Collor. O discurso populista pode ser à direta e à esquerda. Se ele não conquistar a classe média com argumentos fortes e políticas universais, o campo estará aberto para qualquer aventureiro. Para o Lula, não são apenas estes quatro anos. Pela idade, ele pode esperar a continuação da carreira política.¿

MILITÂNCIA FIEL

¿Os intelectuais continuam muito divididos. Alguns estão francamente contra Lula desde o início do mandato. Outros passaram pelo governo e ficaram muito decepcionados. Outros saíram por ocasião da expulsão de Heloísa Helena. Outros continuam identificados com o grupo de FHC. Num segundo mandato, acho que os intelectuais não terão vez. Lula será obrigado a fazer muitos acordos, conciliações. Foi péssimo ele ter se desvinculado do partido. Ele é muito importante para o PT, e vice-versa, na medida em que o partido oferece história, generosidade, energia. Nós que criamos e lutamos por esse partido durante 25 anos não vamos jogar fora a criança com a água do banho. Lula sabe que pode contar com uma militância petista fiel nestas eleições.¿

O BOLSO, A IMAGEM, A OPOSIÇÃO

¿São várias as razões que explicam os resultados das pesquisas. A meu ver, as principais são as seguintes: o bolso, a imagem e a falta de oposição. O bolso tem a ver com os aumentos de salário mínimo acima da inflação e com a política assistencialista. Todos sabemos que o nível de pobreza é muito alto. Cerca de 30% da população economicamente ativa é pobre. A pobreza urbana atinge 47% da população. Agora, coloque 11 milhões dessas famílias ganhando o Bolsa-Família. São cerca de 53 milhões de pessoas. Vá dizer a essa gente que troque isso pelo incerto. O social-clientelismo é o principal motor da reeleição. A imagem popular de Lula, ainda persistente, também predispôs os que se beneficiam do social-clientelismo a fechar os olhos às denúncias. Não se pode criticá-los por isso. Além do mais, a recusa sistemática do presidente em se expor a entrevistas abertas e a debates públicos serve de escudo contra as acusações e contestações. A falta de adversário competitivo é o terceiro fator. Todo mundo sabia, as pesquisas indicavam, que o candidato competitivo era José Serra. Por razões que só os dirigentes do PSDB podem explicar, escolheu-se um candidato sem visibilidade nacional e sem apelo popular. Deu no que deu.¿

OPINIÃO PÚBLICA E POPULAR

¿A imagem popular era forte e o presidente nunca deixou de cultivá-la. A política econômica e a corrupção afastaram a classe média, o público mais bem informado e fora do mundo da necessidade. O presidente perdeu boa parte da opinião pública, mas manteve a opinião popular. Cerca de 60% dos eleitores não completaram o primeiro grau. Por desinformação e por conveniência, essas pessoas preferem não ligar as denúncias ao presidente.¿

POLÍTICA COM O QUE SE TEM

¿Fora de contexto, a frase `Política a gente faz com o que a gente tem e não com o que a gente quer¿, dita pelo presidente, pode ser vista como uma simples afirmação de pragmatismo político. Dita por um chefe de partido que se firmou com propostas voluntaristas de reforma, com propostas de refundar este país, entre elas a da moralidade pública, não deixa de ter um toque de cinismo.¿

A COMIDA E A ÉTICA

¿A convicção popular sobre a natureza corrupta da política e dos políticos é antiga, como o demonstram muitas pesquisas. Agora, tal corrupção só fez aprofundar-se. O que varia é a reação. Quem não depende de políticas sociais e paga impostos escorchantes para vê-los malbaratados se indigna, com algumas exceções como se viu recentemente em declarações de artistas. Os outros podem não concordar, e creio que não concordam, mas necessidades maiores se impõem. Primeiro a comida, depois a ética.¿

CAMADA PROTETORA

¿A origem social do presidente foi bem trabalhada e transformada em capital político ao longo dos anos. Este capital não se perde de um dia para outro. Ele recobre o presidente com uma camada protetora contra as acusações, facilmente descartadas como complô de elites. Os beneficiados pelas medidas sociais não sabem nem se interessam em saber dos enormes lucros do setor financeiro.¿

MECANISMO PATERNALISTA

¿Não diria que Lula fez um bom governo. A parte econômica é simples continuação do que havia antes, sem que se tenha conseguido deslanchar o crescimento econômico. Mas seguramente implementou uma política eficaz de social-clientelismo que, de fato, tem produzido efeitos redutores da pobreza, ao mesmo tempo que constitui uma poderosa arma eleitoral. Chamo de social-clientelismo porque o lado social é reduzido ao se retirarem do Bolsa-Família as contrapartidas, transformando-o em mecanismo paternalista e eleitoreiro.¿

O MUNDO DA NECESSIDADE

¿O capital ético do PT não ficou com ninguém. Ou talvez com o PSOL, que é o PT de ontem. Mas que poderá se tornar o PT de hoje se amanhã chegar ao poder. Ainda não existe entre nós uma ética da vida pública. E me pergunto se ela será possível e generalizável enquanto boa parte da população for prisioneira do mundo da necessidade.¿