Título: Fazenda atua como cozinha experimental
Autor: Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2006, Economia, p. B3

Os tempos de campanha eleitoral têm estimulado a criatividade no Ministério da Fazenda e transformado o ministro Guido Mantega em um dos principais comunicadores do governo. Nos últimos meses, o ministro mostra-se incansável na tarefa de divulgar medidas que, aos poucos, no entanto, são desidratadas e perdem totalmente o impacto e a empolgação com que foram alardeadas. Foi assim com o pacote cambial e será assim com as medidas em estudo de incentivo à habitação e redução do spread (taxa de risco embutida na correção dos financiamentos) e dos juros bancários.

Mantega anuncia as medidas. Depois, os técnicos se encarregam de analisar a viabilidade ou não das propostas. ¿Temos várias panelas no fogo¿, contou um assessor se referindo à cozinha experimental do Ministério da Fazenda onde são dissecados os problemas jurídicos e operacionais de cada uma das iniciativas sugeridas pelo ministro na busca desenfreada de reforçar as condições favoráveis à reeleição do presidente Lula em primeiro turno.

¿Esse é o método Mantega de trabalhar¿, justificou um auxiliar do ministro, estabelecendo um paralelo entre os dois antecessores - Antonio Palocci e Pedro Malan - que preferiam anunciar as medidas quando estavam prontas. Para ele, esse jeito meio ¿caótico¿ do ministro tem um efeito prático, o de ¿botar as medidas para andar¿, mesmo que nem todas saiam do papel. O propósito de incentivar o diálogo, segundo o assessor, é alcançado.

Essa estratégia, no entanto, está criando zonas de atrito e retraindo investimentos. Representantes do setor privado já identificam o ministro como o lançador de ¿balões de ensaio¿ que muitas vezes não se concretizam em medidas e provocam paralisia em alguns setores. É o caso, por exemplo, do setor de habitação, que nas últimas semanas convive com a incerteza sobre a obrigatoriedade ou não de os bancos oferecerem crédito imobiliário sem a correção da Taxa Referencial (TR) e com juros tabelados em 12%. Além da possibilidade de novas desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para materiais de construção. Em escala menor, o mesmo problema também tem afetado os bancos.

¿As notícias tumultuam. O ministro está tendo dificuldades em negociar o pacote e cria uma expectativa falsa¿, reclama o dirigente de uma instituição financeira. Para ele, a equipe econômica tem feito ¿muito barulho por nada¿. Pode-se dizer que também a área técnica do Banco Central (BC) tem observações a fazer em relação aos anúncios precipitados por parte do ministro. Internamente, são conhecidos os freios de arrumação impostos pela Receita Federal.

O pacote cambial foi exemplar em todos esses aspectos. Mantega disse que adotaria medidas para desvalorizar o real e insistiu na incidência da CPMF nas receitas em dólares dos exportadores que não fossem internadas no País. Resultado: tecnicamente a medida não se viabilizou.

E a tese de que o pacote iria ajudar na desvalorização do real também caiu por terra.

¿Com as medidas de spread, a confusão é ainda maior. Cada dia o governo anuncia que está estudando uma nova medida¿, disse um banqueiro. As instituições preferem não bater de frente com o Ministério da Fazenda, mas na quarta-feira passada, depois de um almoço com o ministro, não esconderam a preocupação com a adoção de medidas precipitadas e apelaram pela intervenção do Banco Central. ¿Se o Banco Central não entrar apoiando, os bancos não topam a redução de spread e crédito imobiliário¿, contou esse dirigente de banco.