Título: Bolsa-Família embala berço de Lula
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2006, Nacional, p. A10

Caetés, o bairro de Garanhuns (PE) onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nasceu e que hoje é município autônomo, mostra a prosperidade típica dos dias atuais, que anima a economia das pessoas mais pobres. Quase um terço da população recebe aposentadoria. Metade das famílias da cidade de 24 mil habitantes recebe o Bolsa-Família, entre elas diversos parentes do presidente. Uma dessas pessoas é Florência, mulher de Antônio Ferreira de Melo, primo em primeiro grau de Lula. "Minha mulher recebeu o Bolsa-Família por dois anos. Foi cortada há dois meses, quando se aposentou." Agricultor, Antônio planta mandioca e feijão e, como a maioria dos colegas de atividade, passa o dia reclamando dos preços do País administrado pelo primo. "Só tenho prejuízo," diz. Ferreira conta que investiu R$ 1.350 na última safra e recebeu R$ 900 na colheita.

Ferreira não vive apenas da própria lavoura, porém. Também compra e vende mandioca de outros agricultores. Nessa atividade, tem fama de bom negociante e recentemente despachou quatro caminhões bem carregados para Sergipe. Não diz quanto ganhou, mas não ficou no vermelho. Para a colheita, tem recursos para contratar 20 trabalhadores, que recebem R$ 12 por dia de trabalho, mais café da manhã e almoço. Ele tem um carro Gol, antigo.

Outro exemplo é a prima Maria José de Melo Silva, 47 anos. Ela mora com o marido e três filhos numa área de 4 hectares, onde também planta feijão e mandioca. O marido de Maria José entrou no Bolsa-Família quando ainda se chamava Fome Zero. Uma reportagem do período diz que a família usava o dinheiro para "não passar fome". A família se ofende, reclama que é sempre assim, que os jornalistas gostam de visitá-los só para dizer que são pobres e carentes. "Não passamos fome. Mas usamos esse dinheiro para despesas em geral", diz a filha de Maria José, com dignidade na voz.

A casa de Maria José é limpa e bem cuidada, com antena parabólica. As paredes estão pintadas, a sala tem sofá e cadeira. As divisórias internas são paredes - e não panos coloridos ou tapumes. Na casa de Antônio Ferreira, as visitas são recebidas com bolacha e café quente e o conforto é semelhante. Esse padrão é compatível com o Bolsa-Família? Tecnicamente, uma coisa não tem a ver com a outra, explica uma técnica do Ministério do Desenvolvimento Econômico e Social, que administra o Bolsa-Família, ouvida pelo Estado sem ser informada dos laços de parentesco de Maria José e Antônio Ferreira. "O que importa é a renda. Uma família está qualificada desde que tenha uma renda per capita inferior a R$ 120. Se ganhar mais do que isso, está fora. Se ganha menos, pode receber."

O Bolsa-Família provoca constrangimento em Caetés. A prefeitura até tenta esconder de jornalistas que parentes do presidente da República fazem parte do programa. A verdade é que eles não têm nada a ver com uma confusão ocorrida na cidade, quando um funcionário furtou a senha de 18 cartões e embolsou o dinheiro. Foi demitido depois de produzir um escândalo - de R$ 900.

Em Caetés, o dinheiro tem outro valor. Num restaurante que vende baterias de automóvel, chapéu e bota de vaqueiro, mata-se a fome com R$ 4. Faz-se uma feira de família com R$ 30. Caetés não tem edifícios, a avenida principal é interrompida por vários canteiros de obras. Para os padrões do agreste pernambucano, o comércio é considerado de boa qualidade, com variedade razoável de mercadorias e marcas. Carros de boi andam pela zona rural e jegues caminham pela cidade. O nível de violência é tão reduzido que ninguém tranca a porta de casa durante o dia. Um vereador se elege com menos de 500 votos e recentemente, quando os políticos locais foram submetidos a um teste de língua portuguesa, boa parte teve de abandonar a carreira porque não lia nem escrevia direito. José Luiz de Lima Sampaio, o prefeito, está no terceiro mandato. Seu pai ocupou o mesmo cargo duas vezes. Engenheiro, José Luiz deve sua carreira a uma façanha: antes de entrar na política, administrou a eletrificação da área. Ganhou o apelido de Zé da Luz e um eleitorado eterno.

No pleito de 2002, todos os candidatos majoritários apoiados por Lula venceram na cidade. Em 2006, a situação é tão favorável ao presidente que Geraldo Alckmin não tem sequer palanque para pedir votos. Lula não apareceu em Caetés desde a posse, mas mesmo ao longe é uma presença constante. Um posto de saúde leva o nome de "Tia Lindu", como era conhecida a mãe do presidente. Graças a investimentos federais, arrancados por dois ministros pernambucanos, Humberto Costa, da Saúde, e Eduardo Campos, de Ciência e Tecnologia, que competiam para levar verbas para a terra de Lula, o hospital municipal ficou tão bem equipado que doentes vêm de centros maiores para fazer exames. Em Caetés ainda foi erguida uma fábrica de biodiesel, promessa de mercado para pequenos agricultores. A frota escolar de crianças da zona rural cresceu 50%. Em Garanhuns, a menos de 20 quilômetros, está sendo construída uma faculdade federal. "Para o pobre, nunca teve alguém como Lula," diz o primo presidencial José Florêncio Filho, caminhoneiro aposentado, ex-vereador e ex-vice-prefeito de Caetés.