Título: 'O Congresso Nacional é um grande balcão de negócios'
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2006, Nacional, p. A12

Darci José Vedoin é o patriarca do clã acusado de comprar 12% do Congresso. À luz das leis e das próprias confissões, é um corruptor que colocou no bolso pelo menos 72 parlamentares, 25 ex-deputados, 60 prefeitos e 19 funcionários públicos. Na noite da última segunda-feira, recebeu o Estado no apartamento de sua filha, Alessandra, em Cuiabá. Abriu a conversa assim: "Não somos bandidos, viu?" Sob a condição de não entrar nos detalhes do processo que investiga a máfia dos sanguessugas que ajudou a montar - e que corre em segredo de Justiça -, contou a história de sua família e defendeu a tese de que é apenas um típico empresário brasileiro obrigado a abrir o item "pagamento de propina" nas planilhas de seus negócios.

Ele tem 61 anos, cabelos brancos, olhos azuis e rosto vermelho. Visto de perto, é um sujeito simpático, que fala com sotaque gaúcho carregado e tem um jeito meio invocado, no estilo Felipão. Estudou em colégio de freiras, é católico praticante, casado há 37 anos ("e com a mesma mulher!", brinca). Costuma chamar a esposa de Nega, torce pelo Grêmio e fica com os olhos marejados quando fala frases como "eu tenho um coração que ninguém imagina" ou "ainda posso olhar nos olhos dos meus netos bem fundo e dizer assim: eu amo vocês". Como costuma acontecer com pessoas enroscadas em esquemas de corrupção que aparecem depondo em CPIs, parece ter uma moral para usar na vida privada e outra que tira da manga para empregar no mundo dos negócios.

Em maio, Darci foi algemado e mandado para uma cela em Cuiabá junto com toda a família: a mulher, Cléa, os filhos, Luiz Antônio e Alessandra, a nora, Helen, e o genro, Ivo Marcelo. A prisão coletiva foi tão inesperada que foi preciso encontrar parentes às pressas para cuidar de seus netos, 5 crianças com idades entre 2 e 9 anos que ainda não entendem por que deixaram de ser convidadas para as festas dos prédios onde moram.

Depois de quase 2 meses de cadeia, os Vedoin aderiram à delação premiada e começaram a contar como montaram o esquema dos sanguessugas. Em poucos dias, Darci passou de empresário respeitado a um chefe de máfia reconhecido nas ruas. Mas, do seu ponto de vista, a diferença entre sua família e a dos outros empresários do País é apenas uma: ela foi descoberta.

Darci trata o pagamento de propinas como uma espécie de pedágio para sobreviver no mundo empresarial, diz que nunca procurou nenhum político para isso ("Eles é que vieram atrás de nós, todos eles!") e até ensaia uma função social para o esquema que montou. "É mentira que as ambulâncias eram superfaturadas e fajutas. Nossa empresa trabalhava em prol dos pequenos municípios, mas no Congresso as coisas funcionam assim... ", afirma.

A SAGA SANGUESSUGA Bisneto de italianos, filho de um dono de armazém de secos e molhados e de uma dona de casa, Darci Vedoin nasceu em Silveira Martins, no Rio Grande do Sul. Começou a vida de negociante vendendo máquinas de lavar batatas. Casou com a conterrânea Cléa Maria, teve dois filhos e conseguiu levar uma vida confortável. "Comprei o Maverick assim que ele saiu, por exemplo", conta.

Em 1978, quando tinha 33 anos, foi visitar dois cunhados que integraram uma das levas de gaúchos que foram para Mato Grosso no rastro da expansão da produção agrícola. Estranhou o calorão, mas resolveu ficar porque a filha Alessandra, na época com 8 anos, sofria de asma. " A minha filha podia morrer se continuasse lá no sul, por causa do clima."

Em Cuiabá, trabalhou por 10 anos na Companhia Riograndense de Adubos (CRA). Cléa também se mexeu. Abriu uma representação da De Millus que chegou a ter 700 colaboradoras encarregadas de vender lingeries Mato Grosso adentro. Quando saiu da CRA, Darci usou o FGTS para abrir um posto de gasolina e um restaurante - mas estava sempre de olho em novas oportunidades.

Em 1993, quando o caçula Luiz Antônio completou 17 anos, resolveu emancipá-lo para abrir em seu nome a Planam, a princípio uma consultoria que cuidava dos interesses de prefeituras em Cuiabá e Brasília. Entre as atribuições da empresa estava a de comprar ambulâncias para os municípios. "Com o tempo, os fornecedores começaram a dar problemas. Pediam dinheiro adiantado, demoravam para entregar e faziam tudo errado", conta Darci. Em 2000, Luiz Antônio disse ao pai: " Vamos fazer as ambulâncias nós mesmos."

Os Vedoin alugaram um galpão em Várzea Grande, na Grande Cuiabá, e começaram a adaptar carros embaixo de uma mangueira. "O vento espalhava a tinta pela rua e os motoristas passavam xingando a gente", lembra Darci.

FOI POR ACASO... O negócio cresceu e foi absorvendo a família inteira. Cléa foi trabalhar no departamento financeiro; Alessandra, formada em assistência social, entrou para o RH; Ivo Marcelo, seu marido, pediu licença de um emprego na Secretaria de Informática do Estado para representar a empresa; Luiz Antônio se transformou no cérebro do negócio - e levou a mulher, Helen.

De acordo com Darci, a distribuição de propinas entrou para a lista de negócios da Planam em 1999, por conta de um acaso. "Foi a troca de malas...", diz. No aeroporto de Cuiabá, Darci pegou por engano a bagagem do deputado Lino Rossi (PP-MT). Quando foi desfazer o engano, marcou um encontro para mostrar um plano de venda de ambulâncias. O esquema começou e, nos 7 anos seguintes, chegou a quase 600 prefeituras.

Uma semana antes de ser preso, Darci foi ao Rio Grande do Sul visitar a mãe, que está com 84 anos. Assim que chegou, recebeu um telefonema de Luiz Antônio. "Ele me disse: pai, não podemos mais fazer ambulâncias. Não está dando lucro. A Polícia Federal tem isso, porque gravou nossas conversas. A gente ia sair", conta. Hoje, reconhecido pela vizinhança como o homem jogado em uma viatura no dia em que foi preso, o patriarca da família sanguessuga se defende como pode:

"Basta mandar uma pessoa ficar duas horas no Congresso Nacional, nem precisa ser o dia inteiro. Lá é um grande balcão de negócios. Agora mesmo tem alguém lá, fazendo a mesma coisa."