Título: A última revolução
Autor: Antonio Elorza
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2006, Internacional, p. A21

Francisco Fernández-Santos explicou muito bem em sua apresentação, lá por 1967, do volume dedicado à revolução cubana pela Ruedo Ibérico, a editora antifranquista de Paris. O julgamento de Fernández-Santos era amplamente compartilhado: o lampejo revolucionário de outubro de 1917 se esgotara em seu local de origem, transformando-se numa "revolução estancada". E a testemunha passava à ilha caribenha, "porque é na Cuba de Castro que hoje se perpetua com maior autenticidade e vigor a grande sacudida revolucionária e profética de 1917, esta grande esperança milenar, mudar o homem e o mundo..." Foi uma leitura na qual coincidiram intelectuais de todas as latitudes, com Jean-Paul Sartre à frente, por ocasião da viagem de março de 1960, em que ele, sem saber, foi manipulado pela pauta soviética: Sartre viu tudo o que interessava ao regime, acreditando ver o que interessava a ele.

Até que o caso Padilla tornasse evidente que aquilo estava mais próximo do ambiente dos grandes processos stalinistas que do vermelho e negro libertário, intelectuais nada crédulos, como Juan Goytisolo ou Mario Vargas Llosa, entre muitos outros, morderam a isca ao contemplar as conquistas educacionais e sentir o entusiasmo popular. Triunfava a arte da hospitalidade revolucionária, escondendo a vertente da repressão política e da ineficácia econômica, com o bloqueio como desculpa universal. No âmbito da cultura, sentenciava Vargas Llosa, a revolução oferecia "um balanço muito positivo, um saldo de realizações e vitórias profundamente comovedor". Tampouco se pode esquecer que, nos 60, de Nixon a Johnson, passando pela Baía dos Porcos e pelas tentativas de assassinato de Fidel, a causa cubana era para a esquerda e muitos democratas a causa da liberdade.

Na Espanha, havia também outros fatores. O antiamericanismo de fundo, persistente até hoje, era compartilhado pelo próprio ditador. Nas conversas com seu primo, Franco nos oferece uma versão surpreendente, próxima do marxismo em seus argumentos, da chegada de Fidel ao poder e sua deriva rumo ao comunismo, propiciada por uma política equivocada de Washington. Com ainda mais razão, a esquerda espanhola na clandestinidade e no exílio saudou a chegada de Fidel ao poder. Para os setores radicais, com o PCE à frente, tratava-se da primeira revolução num país de língua espanhola. Ninguém repetiu mais que os porta-vozes desta esquerda que a revolução fez Cuba deixar de ser o bordel dos EUA e ninguém insistiu mais em comparar a qualidade de vida pós-revolucionária com a miséria de outros países latino-americanos, esquecendo que, quando Fidel iniciou seu trabalho redentor, em 1959, a renda per capita de Cuba era muito superior à da Espanha e equivalia à do Japão. Entre os intelectuais, nas sombras do franquismo, a aparente liberdade revolucionária, reforçada pela chuva de convites para "eventos", obteve sem dificuldade adesão entusiasmada, que oferecia a vantagem de não obrigar a uma militância política determinada. Surgia a possibilidade da atitude cômoda que se mantém: estar com a revolução cubana outorga o diploma de pessoa de esquerda sem custo ou responsabilidade.

A partir do recolhimento dos anos 68-71, com a eliminação do pequeno comércio, o fracasso da safra dos 10 milhões e o espetáculo do processo do poeta Heberto Padilla, foi inevitável a fratura na frente dos intelectuais. Os citados Vargas Llosa e Goytisolo passaram a encabeçar a luta pela liberdade de expressão e política em Cuba. Com a chegada da democracia à Espanha e o melhor conhecimento dos traços opressivos dos sistemas comunistas, tanto em sua variante soviética quanto na chinesa ou na cubana, poderíamos esperar um desaparecimento progressivo do entusiasmo por Cuba. No entanto, isto não aconteceu, e nem sequer os dados irrefutáveis sobre repressão e miséria alteram a antiga imagem para boa parte da esquerda.

Convém lembrar que, partindo do pressuposto de que a inclinação revolucionária anticapitalista ainda é necessária, a revolução cubana é o último exemplo ao qual se agarrar. E o regime de Fidel elaborou um relato explicativo de seus desastres que ainda serve de desculpa. Uma transferência de responsabilidade, de modo que os fracassos, sobretudo no plano econômico, são computados um após outro na conta do embargo americano. Além disso, seria um fracasso que de modo nenhum elimina seu conteúdo de redenção, personificado no alter Christus do século 20, o Che Guevara que deu a vida pela revolução, num sacrifício tão disparatado em sua época quanto carregado de sementes de insurgência para o futuro da América Latina. Não importa a brutalidade da repressão, que a presença nas manifestações seja obrigatória, que as ruínas de Havana e a prostituição de adolescentes dêem testemunho do fracasso de um ensaio histórico.

Os militantes da esquerda tradicional mantêm a adesão ao castrismo, sem se importar com o ocorrido em março de 2003, a caça a opositores e a volta das execuções. O alcance dessa atitude pôde ser apreciado com a nova política do Ministério de Relações Exteriores espanhol, a partir de 2004, abandonando a condenação da violação sistemática dos direitos humanos, assim como o apoio a esses pobres dissidentes que um colaborador destas páginas de El País conclamou à "prudência", como se o projeto do concílio cubano dos anos 90 ou o Projeto Varela não fossem exemplos de moderação. Da esquerda do mojito, daqueles que continuam celebrando em seu "turismo revolucionário" a sobrevivência agônica da revolução em meio à penúria - essa sim, agora aliviada por Chávez -, melhor nem falar.