Título: Em Serrana, exportação empacou
Autor: Eduardo Kattah
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Economia, p. B5

Arranjo produtivo da cidade foi criado para ampliar venda externa de calçado, mas câmbio atrapalha estratégia

Eduardo Kattah - BELO HORIZONTE

Ganhar espaço no mercado externo era uma das principais metas dos empresários calçadistas de Nova Serrana (MG) e municípios da região quando se reuniram em um Arranjo Produtivo Local (APL), em setembro de 2002. Mas o pólo, atualmente um dos maiores da indústria do calçado no País, principalmente o esportivo, nunca conseguiu deslanchar as vendas internacionais.

Para tentar superar barreiras - como a qualidade dos produtos, por exemplo -, em outubro do ano passado uma missão de empresários visitou centros acadêmicos e distritos calçadistas da Europa, principalmente da Itália e Espanha, engatilhando uma parceria que está sendo firmada com o Instituto Europeu de Design (IED), com sede em Milão. Um dos principais objetivos do convênio é treinar designers e estilistas e abrir caminho para as empresas no mercado internacional por meio de consultorias. Mas a prática mostra que qualquer esforço exportador sucumbe diante da taxa de câmbio. Além de tornar praticamente inviável a disputa no ambiente externo, a cotação do dólar ainda provocou um acirramento da concorrência no mercado doméstico.

Em 2004, as exportações estavam num crescente e representavam cerca de 5% da produção do pólo, atualmente na faixa de 300 mil pares por dia. No ano passado, caíram para 3%. Este ano, se chegarem a 2% já vai estar de bom tamanho, observa Júnior César Silva, presidente do Sindinova, o sindicato da indústria local. ¿O pouco que tínhamos está diminuindo¿, constata. ¿Tínhamos uma meta de exportar 10% da nossa produção em cinco anos. Mas, com esse câmbio aí, não tem condição nenhuma.¿

O reflexo da baixa cotação da moeda americana ante o real tornou-se uma ameaça à solidez de um pólo formado, em sua grande maioria, por pequenas e microempresas. Com a redução das exportações dos calçados brasileiros, outras regiões produtoras, como o Vale dos Sinos (RS) e Franca (SP), passaram a mirar também com mais apetite o mercado interno, aumentando a oferta de produtos.

¿Conseqüentemente, enfrentamos uma competição bem mais dura do que costumávamos¿, destaca Silva. ¿Outros pólos ou empresas redirecionaram sua produção para o mercado interno, porque as exportações caíram bastante.¿

O presidente do Sindinova ainda não detecta conseqüências mais dramáticas, como fechamento de fábricas e demissões em massa. ¿Mas, no primeiro semestre, a produção diminuiu cerca de 10% em relação ao primeiro semestre do ano passado¿, disse ele. Em 2005, a produção global das 824 empresas formais da região foi de 77 milhões de pares, praticamente o mesmo número do ano anterior.

Houve crescimento (18%) somente no faturamento, que chegou a R$ 600 milhões. Isso porque parte das empresas conseguiu agregar valor aos tênis e sapatos ali produzidos.

Ramon Alves Amaral, sócio-proprietário de três fábricas em Nova Serrana, viu suas exportações sofrerem uma redução drástica. As vendas externas chegaram a representar 20% de sua produção, mas atualmente estão em torno de 5%. Segundo ele, porque suas empresas continuam vendendo ¿alguma coisa¿ para a Argentina.

O empresário, que já chegou a embarcar produtos para países da África, além de Uruguai e Espanha, também reclama que o câmbio ¿não tem firmeza¿. ¿Essa semana está em R$ 2,20, na semana que vem, em R$ 2,10...Se ele fosse estável, a gente fazia um preço e negociava¿, diz.

Para não reduzir o seu quadro de funcionários - cerca de 400 empregados nas três fábricas -, o jeito foi redirecionar a produção para o mercado interno. ¿Hoje, sobra calçado no Brasil. O que ajudava era a exportação¿. Amaral também tem receio de uma possível ¿invasão¿ de calçados chineses no Brasil. O temor é compartilhado pelo presidente do Sindinova.

¿O câmbio nesse nível é muito favorável à importação de calçados. Ainda não se identifica uma importação num volume muito grande ou preocupante, mas, se não for feito nada para fechar essas portas, a situação vai piorar bastante¿, disse. De acordo com Silva, as atuais políticas do governo ¿não estão direcionadas para proteger a indústria brasileira do calçado¿.

O líder empresarial sugere a adoção de ¿barreiras técnicas¿, como exigências de qualidade para a entrada dos produtos no Brasil. ¿Tem muito produto chinês entrando no mercado brasileiro e nos mercados da América Latina, em países para os quais a gente antes conseguia exportar¿.G