Título: Bancos - spreads, tarifas e juros
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2006, Economia, p. B2

Levantamento feito pelo Banco Central (BC) constatou que o brasileiro pagou, em junho passado, 145,1%/ano de juros no cheque especial, 57,5% na compra de uma geladeira e 33,3% ao adquirir um automóvel. A empresa que foi ao banco descontar uma promissória lá deixou 48,9%/ano do valor do crédito em juros e 32,4% se fez um empréstimo para capital de giro. São as taxas de juros mais altas do planeta, comprova estudo do Banco de Compensações Internacionais (BIS), que regula os bancos centrais de todo o mundo. No Brasil, o chamado spread bancário (diferença entre a taxa de captação do dinheiro e a cobrada pelos bancos nos empréstimos) está em torno de 40%, ante 5% da maioria dos países emergentes. O segundo país de spread mais elevado, o Peru, cobra 10%.

Como a taxa Selic estava em 15,25% em junho, quem usou cheque especial pagou ao banco um spread de 129,85% e a empresa que tomou dinheiro para capital de giro, 17,15%. Sabe-se que nasce do faturamento com juros e tarifas bancárias boa parte dos espetaculares lucros dos bancos dos últimos anos. O que falta descobrir é o que pode e deve ser feito para baixá-los sem recorrer a medidas de força ou artificiais, como congelamento ou tabelamento, que não funcionam e foram há muito abolidas no mundo.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, descarta alternativas que levem à queda artificial dos juros e diz que a única forma de reduzi-los é estimular a competição entre os bancos. "As regras jurídicas do País não permitem tabelamento ou controle e garantem a liberdade de preços. Isto se aplica também aos juros. Não vou questionar a lei. Na Constituição de 1988 houve tentativa de tabelar em 12%, mas felizmente caiu. No BC trabalhamos em medidas para intensificar a competição entre os bancos e oferecer ao cliente condições para escolher aquele que lhe oferecer melhores vantagens", define Meirelles.

Realmente, hoje a competição é restrita, dá-se no momento de o sujeito escolher o banco para abrir a conta. E pára por aí. A mais importante das medidas mencionadas por Meirelles é permitir ao trabalhador transferir sua conta-salário para outro banco sem nenhuma despesa. Atuando numa base de milhões de correntistas, se o BC conseguir isso vai resolver boa parte das amarras que hoje emperram a competição. Mas não é nada fácil.

"O entrave maior é o cidadão se sentir preso ao banco, recebe salário ali, vai ficando e não muda", diz o ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, citado no estudo do BIS. Além desta, Goldfajn aponta outras dificuldades. Em geral as empresas impõem uma única opção aos seus assalariados, porque em troca obtêm vantagens do banco escolhido. E, se o assalariado transferir seu dinheiro, arca com o prejuízo da CPMF e da tarifa que o banco original cobra pela transferência. O presidente do BC não dá detalhes, mas avisa que vai encontrar meios para desonerar o correntista de taxas e lhe garantir liberdade na escolha do banco para receber seu salário. A mesma liberdade de escolha será dada ao tomador de um empréstimo consignado, acrescenta Meirelles. Nesse caso caberá ao tomador fazer uma espécie de leilão entre os bancos para obter juros mais baixos.

E por que o spread bancário no Brasil é campeão do mundo? Segundo o BC, a composição de custo do spread é assim dividida: 27% é o chamado resíduo bancário (despesas com marketing, publicidade e outras); 26,4% é o custo administrativo do banco; 20,8%, os tributos sobre a atividade bancária; 20,8%, a inadimplência; e 5%, o depósito compulsório dos bancos no BC. Dessas cinco parcelas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) sugere reduzir o compulsório e os tributos, apenas. A parcela relativa à inadimplência - passível de alteração - é muito alta quando comparada com outros países. Nela os bancos não inserem apenas calotes de seus correntistas, mas o histórico brasileiro de volatilidade inflacionária, instabilidade de regras (demandas de autoridades por mudanças de regras, como intervenção no câmbio ou nos juros) e insegurança jurídica (juízes que tendem a fazer justiça social punindo o poder financeiro).

É difícil mensurar com precisão a taxa de risco de inadimplência, mas, a julgar pelos extraordinários lucros dos bancos, no Brasil ela certamente está superdimensionada.