Título: Nos bancos, polêmicas começaram com realeza
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2006, Economia, p. B3

O sistema financeiro sempre esteve envolvido em polêmicas, desde a criação do primeiro banco no Brasil. Se hoje os lucros recordes das instituições deixam a sociedade perplexa, no passado, os mandos e desmandos da realeza não podiam ser contestados por ninguém. Em 1808, d. João VI, o então rei de Portugal, Algarves e do Brasil, inaugurou o primeiro banco no País. Mas não foi para fomentar a economia brasileira e sim para atender às necessidades da Corte Portuguesa, recém transferida para o Brasil.

Segundo o livro História das Instituições Financeiras no Brasil, de Carlos Daniel Coradi, presidente da EFC - Engenheiros Financeiros & Consultores, o primeiro Banco do Brasil foi criado por razões políticas, para emitir dinheiro sem lastro e fornecer recursos para a Corte. Ele durou 21 anos e foi fechado por d. Pedro I por causa do excesso de emissões para atender ao Tesouro Público, irregularidades e fraudes cometidas pela diretoria. Resultado disso foi a quebra do banco.

Com a independência do Brasil, em 1822, e a volta da Corte Portuguesa para Portugal, o País ficou com uma péssima situação financeira. "As notas emitidas pelo banco se depreciaram fortemente por causa do excesso de emissões sem lastro." Nessa época, os agiotas emprestavam dinheiro à taxa de 2% a 3% ao mês, já que não havia banco de crédito no País. Foi nesse cenário que o Brasil estreou os primeiros empréstimos externos para financiar a Guerra Cisplatina, reprimir rebeliões e reordenar as finanças internas.

Nove anos depois da falência do Banco do Brasil, em 1838 o País teve seu primeiro banco privado criado por comerciantes do Rio de Janeiro. Chamado de Banco Comercial, teve bom desempenho por vários anos e mais tarde se fundiu com o novo Banco do Brasil. Entre 1840 e 1889, o País teve significativa melhora econômico-financeira, com a expansão da produção agrícola e do comércio.

Nessa época, o total de bancos e casa bancárias somava 17 unidades, sendo dois ingleses e um alemão. Eles não podiam emitir moedas e, por isso, se voltaram para tomar depósitos e emprestar dinheiro - o que deveria ser a principal finalidade de um banco. Surgiram aí instituições que chegaram até a alguns anos atrás, como o Banco Econômico, Banco de Crédito Real de Minas Gerais, Noroeste, Boa Vista, Banco do Estado de São Paulo e Banco do Estado do Rio Grande do Sul. Eles se dedicavam a financiar as safras agrícolas, aquisições de matérias-primas e investimentos industriais e agrícolas.

O Banco Central do Brasil só nasceu em 1964, resultado de uma idéia que surgiu ainda em 1930, após a crise mundial de 29 e a quebra da Bolsa de Nova York. Nos anos 60 e 70 foram criadas também a lei que estruturou o Sistema Financeiro Nacional e a Lei do Mercado de Capitais. As bolsas de valores tiveram desempenho extremamente positivo. Mas, em 1971, depois de quatro anos de alta nas bolsas, o mercado acionário mergulhou em um longo período de prejuízos.

Entre 1964 e 1979, o número de instituições sob intervenção ou já liquidadas pelas autoridades do BC totalizava 191, sendo 126 com processos em andamento. Vários fatores explicavam as intervenções, como má gestão e operações irregulares. Um caso foi o Banco SulBrasileiro, fundado em 1963. "Em pouco tempo conseguiu mais de 100 mil associados, número que crescia de forma contínua e que, através do oferecimento de pecúlio, conseguia uma vultosa e continuada importância de dinheiro em caixa."

Com esse volume de dinheiro o banco conseguiu adquirir várias outras instituições financeiras. Mas, com o decorrer do tempo, as aposentadorias e pensões começaram a ser cobradas e os recursos disponíveis não eram suficientes, o que provocou uma série de ações jurídicas para reaver o que havia sido prometido. "O dinheiro havia sido canalizado em um enorme conjunto de empresas de difícil gerenciamento."

Anos mais tarde, o Plano Real trouxe efeitos profundos no sistema financeiro, acostumado a ganhar dinheiro com a inflação (float). Com a estabilização da economia, os ganhos de float cessam e as instituições tendem a emprestar mais para conseguir manter seus lucros. O que pode elevar a inadimplência, produzir a falta de liquidez corrente e levar bancos à falência. Nessas mudanças, os governos têm de estar preparados para essa fase.

Mas, no Brasil, 90 instituições financeiras foram fechadas nos três primeiros anos do real, segundo o livro. Vários bancos sofreram intervenção, como Banco Econômico, Banco Nacional e Bamerindus. Várias irregularidades e fraudes foram descobertas, tendo repercussão internacional. Em 1995, o BC criou o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer) e gastou cerca de R$ 20,7 bilhões.

As instituições que conseguiram sair ilesas desse processo hoje apuram resultados cada vez maiores, como Bradesco, Itaú e Unibanco. Enfim, eles voltaram a apostar naquilo que deveria ser sua principal finalidade que é fomentar a economia e empresta dinheiro para a população. Mas os volumes ainda estão longes de atender à demanda reprimida.