Título: A livre invasão chinesa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2006, Notas e Informações, p. A3

A China está tomando espaço do Brasil, muito rapidamente, no comércio com a América Latina. Se os brasileiros não reagirem, perderão em breve os principais compradores de seus manufaturados, atraídos pelos preços menores dos produtos chineses. A invasão chinesa já havia ocorrido nos EUA e na Europa e algo semelhante era esperado na América Latina, apesar da presença de eficientes produtores industriais, como o Brasil e o México. Entre 1995 e 2004, a participação chinesa nas importações latino-americanas passou de 0,7% para 7,8%. A do Brasil, de 5,3% para 6,5%.

Os industriais brasileiros atribuem sua desvantagem principalmente ao câmbio valorizado. Mas não é só isso. Os chineses, como salientou Antonio Corrêa de Lacerda em artigo publicado quarta-feira no Estado, praticam o "dumping cambial", uma taxa de câmbio artificialmente desvalorizada. Além disso, lembrou, adotam práticas "desleais e predatórias ao meio ambiente, aos direitos humanos, à propriedade intelectual e de patentes, entre outros" - e isso resulta em produtos com preços aviltados. Se essa concorrência predatória afetasse apenas o mercado interno, Brasília poderia recorrer a salvaguardas para proteger certos setores. Mas a questão é mais complicada: é preciso enfrentar a concorrência em todos os mercados, em especial nos da América Latina.

No Brasil, o Banco Central tem comprado moeda estrangeira e acumulado reservas, mas sem reduzir a sobrevalorização do real, já que a oferta de dólares continua elevada por causa do superávit comercial e dos juros altos, que atraem o capital financeiro.

O governo descarta uma intervenção mais forte no câmbio. Segundo as autoridades, o real valorizado reflete as condições da economia brasileira, mais sólidas do que há alguns anos. Esse argumento é parcialmente verdadeiro. Os juros em vigor não são próprios de uma economia tão sólida quanto afirmam as autoridades. E nenhuma indústria pode ganhar produtividade com rapidez suficiente para compensar a desvantagem cambial acumulada nos últimos três anos.

Mas é preciso levar em conta, e com urgência, outro dado inegável: enquanto o governo cria argumentos para justificar o câmbio valorizado, os produtores brasileiros vão sendo impiedosamente deslocados pelos chineses. Não se pode continuar discutindo esse fato academicamente, como se não fosse um problema concreto. Nenhum argumento a respeito do câmbio e do estado invejável da economia neutraliza os problemas enfrentados pelos empresários brasileiros.

O câmbio seria menos importante se a carga tributária fosse mais parecida com a dos países concorrentes. Mas, em vez de reduzi-la, o governo a aumenta, para cobrir suas despesas sempre crescentes e quase sempre inúteis para a economia brasileira. O governo acaba de rever, para mais, a meta de arrecadação deste ano. Acrescentou R$ 4,5 bilhões à receita pretendida, mas, antes disso, liberou R$ 4,8 bilhões para despesas, indo parte do dinheiro para o inútil Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Se o governo não corta seus gastos, o Banco Central tem um argumento para ser parcimonioso na redução de juros. Além de afetar o custo do crédito, essa política ajuda a manter o real valorizado, atraindo mais dólares para o mercado. Mesmo a minirreforma cambial demorou meses para sair, porque o governo não queria perder receita fiscal. Por isso, os empresários foram autorizados a manter apenas 30% de sua receita de exportação no exterior. A novidade poderá reduzir burocracia e custos, mas terá efeito muito limitado para a maioria dos setores. É um passo positivo, mas muito tímido.

Do lado externo, Brasília continua a praticar uma boa vizinhança unilateral, bancando concessões e recebendo quase nada em troca. O exemplo mais escandaloso é a limitação de exportações para a Argentina, enquanto os chineses vão ocupando espaços crescentes daquele mercado. É hora de o governo acordar e começar a pensar, seriamente, em medidas de curto e médio prazos para reduzir as desvantagens do País. Em breve será tarde demais.