Título: Não especialistas são os mais denunciados
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2006, Vida&, p. A30

Homens, de até 45 anos, formados em faculdades particulares e sem especialização ou residência médica representam o perfil dos envolvidos em denúncias nas áreas de ginecologia e obstetrícia no Estado de São Paulo. Um universo que inclui 503 processos contra 781 médicos, entre 1994 e 2004. Isso representa 12% dos processos abertos contra médicos no período pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), muitos incluindo a morte da criança ou da mãe durante o parto.

Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo diretor do Cremesp, Krikor Boyaciyan. "Há uma relação direta entre as denúncias e a formação do médico", diz Boyaciyan. "Posso afirmar que a faculdade pública ainda dá a melhor formação."

Entre os denunciados, 62% não têm residência médica nas áreas de ginecologia e obstetrícia. A situação é pior em relação à posse do título de especialista, obtido com a realização de prova da especialidade reconhecida pela Associação Médica Brasileira (AMB) após três anos de exercício da profissão: 75% dos denunciados não têm sequer o título.

A pesquisa revela ainda que 39% das denúncias envolvem a assistência ao parto com morte da criança, e 15% se relacionam com morte materna. "Essa é a principal denúncia, pois as mães associam o nascimento a uma situação natural em que nada pode dar errado", afirma.

Os processos concentraram-se nas regiões da Grande São Paulo (exceto capital), Baixada Santista e Vale do Ribeira, uma das regiões mais carentes do Estado. "Isso pode acontecer por falha dos médicos ou por falta de infra-estrutura e equipamentos dos hospitais."

Outro dado preocupante revelado pela pesquisa: apenas 6% dos prontuários médicos foram preenchidos corretamente. São casos de flagrante negligência em que o médico descreve a evolução clínica do paciente com caligrafia ilegível, dados imprecisos e incoerentes ou simplesmente não escreve nada. Há um caso, por exemplo, no qual o médico registrou uma gestação de 12 meses.

Boyaciyan diz não entender esse comportamento. "Como o próprio médico poderá se defender depois?", questiona.

Uma imagem que a pesquisa derruba é a do assédio sexual nos consultórios ginecológicos. Entre as 781 denúncias, apenas 14 foram referentes a assédio.