Título: Processos administrativos contra médicos crescem 393% em 5 anos
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2006, Vida&, p. A30

Um número mostra que a relação de confiança entre médico e paciente pode estar estremecida: a quantidade anual de processos administrativos movidos contra os profissionais da área saltou de 77 há cinco anos para 380, um aumento de 393%, segundo dados do Conselho Federal de Medicina.

O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), José Luiz Gomes do Amaral, julga que o crescimento de processos está relacionado às falhas na formação do profissional, ao aumento da quantidade de procedimentos no País e ao distanciamento entre o médico e o paciente. "Nos últimos 15 anos, houve um aumento criminoso de faculdades de Medicina. Uma grande quantidade de médicos começa a exercer a profissão sem antes fazer uma residência. Além disso, antes existia uma relação direta entre o médico e o paciente", destaca.

Especialista em responsabilidade civil médica, e, portanto, em contato constante com profissionais e pacientes, o advogado Lymark Kamaroff atribui inúmeras causas ao crescimento dos processos, entre elas, a falta de infra-estrutura em unidades de saúde, a mercantilização da medicina, a consolidação do Código de Defesa do Consumidor e má-fé dos que, mesmo sem qualquer razão, buscam uma indenização na Justiça. "O paciente necessita de um médico e, muitas vezes, o profissional comercializa a profissão dele, principalmente na área de estética. Por outro lado, há também o surgimento do advogado de porta de hospital, de pessoas que entram com ação indevidamente", diz o advogado.

PROCESSOS SEM FUNDAMENTO Segundo Kamaroff, na Justiça do Rio a proporção de ações contra médicos julgadas improcedentes é muito alta, em torno de 80%. Do total de 664 processos administrativos abertos entre 2001 e 2005, 289 foram arquivados por falta de provas. Para Kamaroff, esses números refletem, em parte, má-fé de quem entra na Justiça.

Por duas vezes presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Roberto Saad fez um levantamento com os seis mil associados e descobriu que 14% deles foram processados nos últimos seis anos. Dos 70% processos já concluídos, apenas 3% resultaram em condenação. "Isso ocorre porque há uma indústria do dano. Tanto que a maioria entra na área cível, cuja pena é a indenização", diz. Amaral, da AMB, admite que há situações em que as pessoas recorrem à Justiça sem fundamentação firme.

Fundadora da Associação de Vítimas de Erro Médico, Célia Destri considera que os números vêm aumentando porque a população está mais bem informada sobre seus diretos e também porque há, realmente, mais profissionais cometendo imperícias. Não descarta, porém, falhas na infra-estrutura das unidades de saúde.

Kamaroff e Célia apontam como solução melhorar o diálogo entre o profissional e o paciente. Médicos precisariam deixar muito claro quais os riscos envolvidos no procedimento e não poderiam prometer transformações impossíveis em casos de cirurgia estética.

De sua parte, os pacientes deveriam esclarecer todas as suas dúvidas com o profissional e saber que, se preciso, a Justiça garante acesso ao prontuário médico, onde deve estar registrado tudo o que ocorreu no tratamento.

LESÃO CERVICAL Ravy da Silva e Silva, de 6 anos, não fala, não anda, não movimenta os braços. Todos os músculos estão atrofiados.

Até janeiro desse ano, ele era uma criança saudável. Foi internado no Hospital Infantil Ismélia Silveira, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para uma operação de fimose e hérnia umbilical e, no fim do procedimento, sofreu parada cardíaca. "Ele foi vítima de um erro. Era uma cirurgia simples, que exigia anestesia local. Ravy recebeu anestesia geral, aplicada nas costas, que lhe deixou uma lesão cervical. Ele ficou tetraplégico", conta o advogado da família, Sandro Rossini.

Rossini entrou na Justiça pedindo que Ravy receba tratamento na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação e uma pensão. A prefeitura ofereceu atendimento num posto de saúde. A direção do Hospital Ismélia da Silveira abriu sindicância e concluiu que não houve erro médico.