Título: BNDES diz que Bolsa Família vai ter microcrédito
Autor: Adriana Chiarini
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/10/2006, Internacional, p. A15
Plano começaria em 2007; Nobel da Paz fez restrição a programas de renda mínima quando esteve no País
Adriana Chiarini, RIO
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) quer conceder microcréditos para os beneficiados pelo programa Bolsa Família. 'Isso é desejável e possível', disse ao Estado o diretor do BNDES responsável pela área social, Élvio Gaspar. 'Vai dar para começar no ano que vem', afirmou.
De acordo com ele, 'estão bastante adiantados' os trabalhos entre a instituição financeira e o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), responsável pelo cadastro do Bolsa Família.
No momento, a fase é de compatibilização de informática para uso dos bancos de dados. A idéia é conceder microcrédito orientado produtivo, voltado para o empreendedorismo.
Quando o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006, Muhamad Yunus, esteve na sede do BNDES no Rio, em 21 de julho de 2000, disse que o sistema de microcrédito que criou era um instrumento de combate à pobreza superior a programas de renda mínima de governos, em que o dinheiro é doado e não emprestado (como é o Bolsa Família).
Muhamad Yunus explicou, na ocasião, que considerava o microcrédito melhor para a economia por gerar empreendimentos e por seus efeitos - como, eventualmente, criar empregos em casos de sucesso.
Além disso, de acordo com o economista bengali, é importante para a dignidade pessoal de quem recebe os recursos poder devolver o dinheiro, sem dever favor, e sentir que está produzindo.
O assunto foi levantado pelo senador Eduardo Suplicy (Partido dos Trabalhadores-SP), defensor de programas de renda mínima.
Para o diretor do BNDES, 'não se pode contrapor microcrédito e programa de renda mínima'. Ele diz concordar com a teoria de Yunus de que 'o microcrédito produtivo é de fato portador de futuro e gera construção de renda para o longo prazo'. Por outro lado, argumenta, o programa de 'renda mínima é de curto prazo', mas tem razão de ser. 'É inadmissível ter gente passando fome e impedir isso é um ato necessário. A renda mínima veio para isso e fez cair drasticamente a fome. Mas em algum momento, vai ter de ser substituída ou reduzida', afirmou Gaspar.
O economista Marcelo Néri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), já vinha defendendo o uso do cadastro do Bolsa Família para a concessão do microcrédito.
'É relativamente barato fazer um cartão de microcrédito a partir do Bolsa Família, que já tem todas as informações', disse. 'É melhor que a porta de saída da pobreza seja menos uma porta e mais um trampolim. O microcrédito é um trampolim', afirmou o especialista.
Néri lembra que o crédito por si só não gera oportunidades, mas permite que as pessoas aproveitem as que têm. Para ele, o sistema criado por Yunus não deu tão certo no Brasil quanto em Bangladesh porque o crédito, em geral, não é bem desenvolvido no nosso País - os juros são altos; o crédito é pouco em relação ao tamanho da economia; vai mais para consumo do que para produção; é mais de curto que de longo prazo e tem mais oferta para a população de alta renda do que para a de baixa renda.