Título: País reabre negociação de anti-retroviral com a Abbott
Autor: Jamil Chade e Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/10/2006, Vida, p. A18

Laboratório quer aumentar em 10% valor do Kaletra, que chegará ao mercado com nova apresentação

Uma nova queda-de-braço começa entre Brasília e as empresas farmacêuticas. O governo brasileiro quer impedir que a Abbott aumente o preço do Kaletra, remédio usado no tratamento contra a aids, em 2007. Mariângela Simão, diretora do Programa Nacional de Aids, revelou ao Estado que o governo e a companhia farmacêutica reabriram negociações para tentar fechar um novo preço para o próximo ano.

A mudança acontece porque a Abbott introduzirá uma geração mais nova do anti-retroviral nos próximos meses. Hoje, o Kaletra é vendido em cápsula e precisa ser tomado três vezes por dia. Na nova apresentação, o remédio vem em comprimidos e precisaria ser tomado apenas duas vezes por dia. Diante da inovação, a empresa quer elevar o preço do remédio em 10%.

Na época do acordo, o Kaletra comprimido não estava liberado para uso comercial. Atualmente, ele é usado em 22 países. No fim de setembro, o remédio também teve seu uso liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Diante do sinal verde da agência para o novo remédio, o governo tenta reabrir as negociações. 'Não queremos esse aumento', afirmou Mariângela Simão, quando esteve em Genebra para debates sobre como financiar a luta contra a aids. Ela conta que o governo já gasta anualmente R$ 35 milhões apenas com o Kaletra. Sua intenção é que o preço seja mantido no mesmo nível.

O Abbott, no entanto, está irredutível. A gerente de comunicação do laboratório, Ana Paula Barboza, observa que a chegada do Kaletra comprimido integra o acordo feito com o governo brasileiro, em outubro de 2005. O acertado era que a nova formulação poderia ser vendida por um preço 10% superior: U$ 1.500 pelo tratamento de um paciente, por um ano. 'Nós vamos cumprir o que está acertado no contrato. Não há qualquer perspectiva no momento de discutir redução de preços', afirmou Ana Paula. Ela pondera que o Kaletra, entre remédios de sua categoria (inibidores de protease), é o que tem o menor preço no Brasil.

Além disso, o preço, segundo Ana Paula, seria um dos menores no mundo: países de renda baixa pagam U$ 2.200 por ano para tratar um paciente com o novo remédio. No entanto, o preço brasileiro é três vezes maior do que o cobrado pelo remédio em países africanos. Lá, o tratamento de um paciente por um ano custa US$ 500.

O impasse que começa agora a se formar já era esperado por especialistas. Quando o acordo entre governo e Abbott foi anunciado, todos alertavam que o preço daquela época duraria pouco e que, assim que o Kaletra comprimido entrasse no mercado, o governo teria de desembolsar 10% a mais - e era justamente esse cálculo que deveria ser feito, dizem.

As críticas, no entanto, não foram ouvidas. Na época, comunidades médicas e de pacientes estavam atordoadas com a dificuldade das negociações. O governo e o laboratório travaram uma batalha, que teve início nos primeiros meses de 2005, com direito a ameaça de quebra de patente e até decretação de utilidade pública do remédio - este último ato, feito no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de tudo isso, o governo desistiu.

A justificativa era que o Farmanguinhos, laboratório oficial que ficaria encarregado de fazer a produção, levaria dois anos para fabricar e abastecer o mercado. Neste intervalo, o País teria de comprar remédio genérico da Índia. No fim, acertou-se que o governo pagaria um preço 50% inferior ao que havia sido proposto inicialmente pelo Abbott. O contrato, que prevê o fornecimento do medicamento até 2011, não condiciona o preço ao número de pacientes atendidos