Título: 'Percebe-se um sentimento anti-Lula forte no partido'
Autor: Alexandre Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2006, Nacional, p. A9

O PDT optou pela autonomia dos seus militantes no apoio a qualquer dos candidatos no segundo turno, mas a maioria do partido se posicionará contra Lula, afirmou ontem o senador Cristovam Buarque (DF), candidato do partido no primeiro turno, após a decisão de liberar os militantes pedetistas. 'O que se percebe é que há um sentimento anti-Lula muito forte dentro do PDT', expressou Cristovam ao Estado.

O senador brasiliense disse que, se Lula vencer, o seu governo 'já vai começar cansado'. E explicou: 'Todo segundo mandato começa cansado, Fernando Henrique foi assim também.' Para ele, esse é um mandamento rigoroso da reeleição: quem se reelege terá uma oposição ostensiva no primeiro dia do novo mandato. Em entrevista ao Estado, Cristovam disse que, se Alckmin vencer, os primeiros meses serão de expectativa, por se tratar de um governo novo.

Cristovam deixou claro ontem, após a decisão do PDT, que o candidato Geraldo Alckmin absorveu com interesse mais claro as propostas do partido, a maior parte na área da educação. 'Alckmin foi mais enfático na aceitação das nossas propostas', afirmou o senador. Cristovam afirmou que o atual governo só enviou agora ao Congresso um pacote com medidas que ele sugeriu como ministro 'por uma questão eleitoral'. Eis a entrevista:

Na semana passada, o senhor afirmou que neutralidade no segundo turno pareceria omissão ou falta de decisão. O PDT optou pela omissão ou pela falta de decisão?

O PDT não optou pela neutralidade. Neutralidade é se disser 'nós não votamos em nenhum'. O PDT optou pela autonomia dos militantes. Cada um vota no candidato que preferir. A palavra usada para expressar a nossa decisão foi 'independência', e não neutralidade.

A despeito da decisão tomada, para que lado a maioria do partido vai no segundo turno?

Sinceramente, vai contra Lula. Percebe-se que há um sentimento anti-Lula muito forte dentro do PDT. Mas quantos vão para Alckmin, quantos vão para Lula, não dá para saber.

As pesquisas de opinião apontam que a maioria dos seus eleitores vai optar por Lula. Onde fica o sentimento anti-Lula?

Sim, a maioria dos meus eleitores decide-se a favor de Lula no segundo turno. Mas eleitor não é militante do partido. Esses eleitores a que você se refere já estão em outra. Eles não esperaram o PDT se reunir e decidir uma posição. Já foram.

O PDT se sentiria mais à vontade como aliado de um governo Lula ou de um governo Alckmin? Ou se sentiria mais à vontade na oposição a Lula ou a Alckmin?

A pergunta deve ser feita ao presidente do PDT, Carlos Lupi, mas vou dar a minha opinião. O governo Lula vai começar cansado. Todo segundo mandato começa cansado, Fernando Henrique foi assim também. Então, você engata a oposição desde o primeiro dia. O governo do dia 31 de dezembro será o mesmo governo do dia 1º de janeiro. Um governo novo tem sempre um período de carência, de expectativa. Toda vez que começa um novo governo, há uma trégua. No caso de Lula, não vai começar, vai continuar. Por isso, com ele a oposição será mais enfática e imediata, não só do PDT, mas dos outros partidos. Mas num possível governo Alckmin, começando agora, os primeiros meses serão de expectativa.

Se Lula vencer, vai encontrar um Senado de maioria oposicionista. Qual será o seu papel no Senado?

O de sempre: fiscalizar, propor, criticar e, quando for preciso, apoiar. Eu apoiei o ProUni, apoiei o Fundeb, mas apoiei criticando. O Fundeb que eu fiz somava mais de R$ 4 bilhões, o que Lula mandou para o Senado era de apenas R$ 1 bilhão e pouco.

Antes da sua campanha o PDT vivia uma nostalgia brizolista. O senhor teve mais votos, em números absolutos, do que Brizola em 1994, na última vez em que o PDT disputou a Presidência, e pouco menos, porcentualmente. O PDT revive sem Brizola. O que será do partido daqui por diante?

Lupi me garantiu que vamos convocar um congresso para discutir como manter a nossa fidelidade aos princípios partidários e para adaptarmos o nosso programa à realidade do século 21. Estou muito esperançoso que esse congresso possa permitir a formulação de propostas novas para unificar aquilo que antes nós chamávamos de 'esquerda'. E como não existe hoje uma palavra nova para expressar essa antiga 'esquerda', eu digo que me refiro 'àqueles que têm vigor transformador', que não querem apenas gerenciar a crise, que não querem apenas desarmar as bombas-relógio que existem aqui - como previdência, orçamento, violência, corrupção -, aqueles que querem mudar a cara do Brasil. E essa cara só muda, a meu ver, por meio da educação, do que eu chamei na campanha de 'revolução doce', uma revolução fulminante que usa lápis em lugar do fuzil.

Para o senhor, qual dos dois candidatos trataria melhor a educação?

O que eu posso dizer é que Alckmin respondeu de maneira mais enfática à carta que nós mandamos aos dois candidatos. Por exemplo, assumiu compromisso com a implantação do horário integral, a partir do começo do seu governo. Assumiu também a recriação da Secretaria de Erradicação do Analfabetismo, que eu criei como ministro e foi extinta no ano seguinte. Assumiu, por fim, o compromisso de estudar a nossa proposta de fundarmos o Ministério de Educação de Base. Eu insisto: enquanto o Ministério da Educação, tal como existe hoje, cuidar ao mesmo tempo, da universidade e da educação de base, a educação de base será preterida no plano federal.

O governo Lula lançou, na semana passada, um pacote na área da educação que contém muitas medidas deixadas pelo senhor. Por que demorou tanto?

Porque educação não é prioridade do governo Lula. Eu acho que ele lançou esse pacote agora por uma questão meramente eleitoral. Educação virou um tema importante. A prova do que estou dizendo é que Lula segurou até este ano o Fundeb, que eu deixei pronto.

O senhor vai criar o movimento 'Revolução pela Educação'. Já existe projeto, calendário, idéias?

O projeto não avançou por causa do segundo turno, que nos obrigou a canalizar muita energia e muita angústia. Eu, pessoalmente, que exerci um papel para ajudar a ter um segundo turno, termino sendo um pouco vítima dele, porque qualquer decisão que a gente tomasse agora traria prejuízos muito grandes para cada um de nós e para mim, especialmente - fosse para apoiar Lula, fosse para apoiar Alckmin, fosse pela autonomia para os militantes. Isso traz um custo muito alto. Então, o movimento vai esperar até terminar o segundo turno.