Título: No interior da índia, uma referência em oftalmologia
Autor: Jair Rattner
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2006, Vida, p. A22

Hospital mantido com verbas privadas faz cirurgias segundo o poder aquisitivo do paciente

Apesar de aparentar subnutrição, a indiana Bejama levanta-se de sua cama para falar sobre a cirurgia de catarata que aconteceria dentro de duas horas, no centro de saúde ocular de Thoodukurty, uma localidade da província indiana de Andhra Pradesh. Bejama encontra-se na parte mais baixa da escala social. Para os indianos, ela é de uma tribo, nem sequer faz parte de uma casta. Não tem sobrenome e não sabe sua idade - acredita ter mais de 60 anos. Analfabeta, viúva e sem filhos, vive de plantar arroz, milho e algodão. ¿Demorei dois dias para chegar aqui. Já não conseguia fazer o trabalho do campo porque não via nada¿, conta.

Bejama foi atendida por aquele que é considerado o melhor programa do mundo de saúde ocular. Criado pelo professor Gullapalli Rao, o Instituto de Olhos L. V. Prasad fica em Hyderabad - cidade a 1.600 quilômetros da capital, Nova Délhi - e atende a milhares de pessoas em toda a província. ¿Nós acreditamos que temos de dar a mesma qualidade de atendimento a quem tem e a quem não tem dinheiro¿, conta Rao.

Na sede, o L. V. Prasad realiza 650 consultas de oftalmologia e 75 cirurgias por dia. Contando com os dez centros de saúde espalhados pela província, chega a 375 cirurgias diárias, seis dias por semana - 112 mil cirurgias por ano. Cada centro de saúde tem convênio com dez clínicas e técnicos de saúde ocular. No total, perto de 5 milhões de pessoas são atendidas por ano.

DINHEIRO DO CINEMA

Com base num fundo criado pelo magnata do cinema indiano L. V. Prasad, o instituto não aceita subsídios governamentais. No entanto, seus estatutos prevêem que metade dos seus atendimentos seja gratuito. ¿Criamos um sistema de subsídios cruzados, em que o paciente que pode paga mais para podermos atender de graça quem não pode pagar¿, explica Sam Belashdaram, membro do Conselho de Administração do instituto.

Para quem paga, há quatro níveis de preços. Uma cirurgia de catarata pode custar 7 mil rúpias (R$ 330) para quem tem pouco dinheiro. Para quem tem condições, a conta chega a 45 mil rúpias (R$ 2.140) - neste último caso, apesar de os procedimentos serem os mesmos dos que não têm dinheiro, existem alguns luxos, como o direito de ficar numa suíte no último andar, com vista para a cidade.

A idéia do instituto foi de Rao, que morava nos Estados Unidos e era considerado um dos mais importantes oftalmologistas do mundo. Ele queria ajudar a resolver o problema da cegueira, que atinge 1,2% da população indiana - mais de 12 milhões de pessoas.

MODELO MUNDIAL

O que tornou o instituto indiano um modelo para a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi a estrutura, que é única, ligando a área de pesquisa e o ensino com a prática médica, além de se dedicar ao desenvolvimento de novos produtos. ¿É uma situação única. Nos outros casos, os centros ou foram criados a partir de hospitais, o que prioriza o atendimento, ou surgiram a partir de universidades, o que dá o primeiro plano à pesquisa¿, conta Sam.

Para fazer a ligação das duas partes, todos os dias há uma reunião de uma hora antes de começar o atendimento. Os médicos discutem casos, apresentam inovações e falam sobre as pesquisas - cada dia há um tema diferente.

Uma das pesquisas em que o Instituto L. V. Prasad encontra-se na vanguarda é o da utilização de células estaminais adultas do próprio olho, para casos de queimadura.

O instituto também se destaca pelo seu banco de córneas, considerado um modelo pela OMS. Não há fila. ¿Antes, as pessoas tinham um cartão de doador e, quando morriam, era necessário que a família encontrasse esse documento. Mas nessa hora eles têm muito mais o que fazer. Criamos a figura do conselheiro do luto, que vai até as famílias e apresenta de uma forma delicada o fato de que mesmo depois de morta a pessoa poder dar a visão a alguém¿, conta Sam.

No instituto, uma cirurgia de transplante de córnea tem preços a partir de 35 mil rúpias (R$ 1.650) e pode ser feita em até 48 horas após o diagnóstico. O centro atende as pessoas da Província de Andhra Pradesh, com 80 milhões de habitantes. Tem acordos com instituições nas outras 13 províncias indianas e com mais 13 países do mundo, como o Paraguai. Sobre a possibilidade de brasileiros serem operados no instituto, Rao afirma: ¿Que venham. Estaremos de braços abertos¿.

Jair Rattner viajou para a Índia a convite da Fundação Champalimaud