Título: Os riscos do indulto
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2006, Notas e Informações, p. A3

Entre os motivos que levaram o PCC a promover 144 ataques em três dias, nesta semana, está o desvirtuamento de um dos mais importantes dispositivos da Lei de Execuções Penais. Trata-se da figura jurídica do benefício do indulto condicional ou saída temporária, que foi concebido como recompensa para o preso de bom comportamento que já tenha cumprido um sexto da pena, se for primário, ou um quarto da pena, se for reincidente. Embora os juízes tenham liberdade para negar a concessão desse benefício, nos últimos tempos delinqüentes condenados pelos mais variados tipos de delito passaram a considerar a saída temporária como direito adquirido.

Não foi por acaso que, dos 120 mil presos do sistema penitenciário paulista, de 11 a 12 mil - o equivalente a cerca de 10% da população carcerária do Estado - encaminharam às Varas de Execuções Penais pedido para passar o Dia dos Pais fora das prisões. Esse número não difere muito do total de pedidos encaminhado na semana de Páscoa e no Dia das Mães. Mas como ele é alto demais e a última investida do PCC ainda está em curso, o Ministério Público (MP), temendo novos ataques da facção criminosa, teve o bom senso de pedir à Justiça que avaliasse os pedidos em bloco e cogitasse até da possibilidade de negá-los sumariamente.

O temor dos promotores é maior porque a Polícia Militar detectou 113 membros do PCC entre os presos que solicitaram indulto condicional. Mas a Justiça não acolheu esse pedido. Com a justificativa de que não há provas de que os ataques do PCC sejam feitos por presos em regime semi-aberto e de que uma negação em bloco dos indultos insuflaria rebeliões no Dia dos Pais, a juíza Isaura Barreira, da Vara de Execuções Criminais do Fórum da Barra Funda, ordenou que cada caso fosse analisado individualmente. Com isso, a decisão de autorizar ou negar os pedidos dos presos ficou a cargo dos juízes de cada comarca.

O perdão da pena e a concessão de benefícios como o da saída temporária são adotados no Brasil desde o século 19. Justificado em nome de razões humanitárias, o indulto foi consagrado pela Constituição de 1824 e mantido nas Constituições seguintes. Com o tempo, seu alcance foi sendo ampliado, passando a ser concedido em caráter condicional para estimular os presos a terem bom comportamento durante o cumprimento da pena. Na última década, porém, esses benefícios foram desfigurados.

Em primeiro lugar, eles passaram a ser concedidos automaticamente aos presos que atendem ao requisito de tempo de pena cumprido. Geralmente, a saída temporária é permitida a presos que já tenham cumprido parte determinada da pena, a despeito de sua periculosidade. Automatizou-se a concessão de um benefício que é individual - mas vem sendo tratado como se coletivo fosse.

Em segundo lugar, por razões nunca suficientemente explicadas, a Justiça e o Ministério Público deixam para a última hora o exame dos pedidos. Ora, o indulto condicional tornou-se um fenômeno gregoriano. Sabe-se com a antecipação mínima de um ano em que datas o benefício poderá ser concedido. Se houvesse um mínimo de precaução, as autoridades poderiam definir de antemão quais os presos que se beneficiariam com essa experiência de ressocialização e quais aqueles que ofereceriam perigo para a sociedade. Deixando a decisão para a undécima hora, essa escolha criteriosa não é feita, soltando-se todos os presos que se habilitam. Essa omissão tem custos elevados para a sociedade: é raro o ano em que não se registra pelo menos um crime escabroso cometido por um condenado durante o indulto. E o número de beneficiados que não voltam à prisão vem crescendo. Em 2005, 6,41% dos indultados no Dia das Mães não retornaram. Este ano, o índice foi de7,63%.

"Indulto a condenados é insulto à sociedade", afirmam os promotores, após lembrar que, no mundo do crime, a tolerância das autoridades é vista como sintoma de fraqueza. Acostumado a ver o indulto como direito adquirido, o PCC se rebelou quando os promotores procuraram evitar que o indulto do Dia dos Pais fosse pretexto para a libertação em massa de 12 mil presos. Foi o que levou a facção criminosa a lançar uma bomba contra a sede do MP. Como infelizmente a magistratura não quis ou não soube partilhar da preocupação do MP com o desvirtuamento do indulto condicional, agora é torcer para que o pior não aconteça no próximo domingo.