Título: Campeão do spread bancário
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2006, Notas e Informações, p. A3

Foi por mera coincidência que o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) divulgou um extenso estudo apontando o Brasil como o campeão mundial do spread bancário (a diferença entre o custo de captação de recursos e os juros cobrados do tomador do empréstimo) no mesmo dia em que a maior instituição financeira privada brasileira anunciou ter alcançado lucro líquido recorde no primeiro semestre. Mas entre os spreads excessivos e os lucros recordes dos bancos - outras instituições também tiveram no primeiro semestre do ano resultados históricos - há muito mais do que simples coincidência.

O estudo do BIS compara o desempenho dos bancos em diferentes países emergentes e afirma que o Brasil "talvez seja o caso mais extremo de spreads altos". É uma forma elegante de dizer que aqui a diferença entre os custos de captação e as taxas cobradas dos clientes dos bancos é a maior do mundo. É enorme a distância entre o que se cobra no Brasil e nos outros países. Aqui, o tomador de um empréstimo paga, a título de spread, 40% do custo final da operação. É o quádruplo do que se paga no país que, num grupo de 22 nações em desenvolvimento, vem em segundo lugar, o Peru, onde o spread corresponde a 10% do custo da operação.

Em outros países em desenvolvimento, entre os quais Argentina, Chile, China, Coréia do Sul e Malásia, o spread é comparável ao dos países ricos, de menos de 5%. Para o BIS, a manutenção de spreads muito altos por períodos longos é um fato preocupante porque dificulta a tomada de empréstimos e, assim, retarda o crescimento. Pode também indicar a persistência de ineficiências no sistema bancário, que empresta menos do que poderia para estimular o desenvolvimento.

O estudo do BIS não é conclusivo sobre as causas de spreads tão altos no Brasil. Aponta, como prováveis, a ocorrência de crises bancárias, a falta de competitividade e o excesso de interferência governamental. Para exemplificar os efeitos nocivos dessa interferência, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, tem dito que a obrigatoriedade da destinação dos financiamentos para setores determinados - habitação, agricultura, entre outros - a juros definidos pelo governo resulta no encarecimento das operações livres dos bancos.

Os bancos, de sua parte, reclamam do excesso de tributação e da grossa fatia dos depósitos que precisam deixar parada, como depósito compulsório, no Banco Central. Também nisso, de acordo com levantamento da agência de classificação de risco Austin Asis, o Brasil é campeão mundial. Do volume de depósitos captados pelos bancos, 53% são recolhidos ao BC. Por isso, ao mesmo tempo que anunciam lucros recordes, os bancos têm proposto com insistência a redução do compulsório, o que aumentaria sua capacidade de conceder financiamentos e, afirmam, reduziria o custo do dinheiro.

Baseado em estudo realizado pelo ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, o BIS aponta para outro importante componente do spread no Brasil, que são os custos administrativos e os impostos. Esses dois itens, segundo Goldfajn, respondem por 40% do spread. Com base em outras fontes, o BIS conclui que os custos operacionais dos bancos brasileiros corresponderam, em 2004, a 6,1% dos ativos totais. O Brasil só fica atrás da Venezuela (6,3%).

O fato, porém, é que, mesmo incorrendo em tais custos, os bancos brasileiros obtêm lucros bem mais elevados do que, por exemplo, os bancos norte-americanos. A rentabilidade dos bancos brasileiros (lucro sobre patrimônio líquido), de mais de 30%, é praticamente o dobro da registrada pelos bancos americanos, de pouco menos de 16%. Isso mostra que parte expressiva do spread se deve à sede de lucros dos bancos, que os faz alcançar resultados espetaculares - para seus acionistas -, como os que estão sendo divulgados.

Maior liberdade de escolha, pelo cliente, do banco através do qual receberá seu salário, como propõe o BC, pode levar à maior concorrência entre as instituições e à queda do custo dos financiamentos, mas seu efeito será pequeno para o tamanho do spread bancário.