Título: Secretário diz que governo não vai arriar as calças e Mantega reage
Autor: Adriana Fernandes, Renata Veríssimo
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2006, Economia, p. B1

A discussão sobre uma nova rodada de corte de tributos ainda este ano provocou ontem uma crise no Ministério da Fazenda, levando o ministro Guido Mantega a desautorizar publicamente um dos seus principais auxiliares, o secretário de Política Econômica, Julio Sérgio Gomes de Almeida. Mantega considerou "inadequadas, inoportunas, infelizes e atravessadas" as declarações feitas pela manhã por Gomes de Almeida.

Por iniciativa própria, o secretário havia procurado a imprensa para afirmar que o governo não adotaria qualquer desoneração tributária ainda este ano. "Nem que o governo arriasse as calças não tem espaço para novas desonerações", afirmou Gomes de Almeida, numa declaração que atingiu em cheio o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, que esta semana defendeu a redução de tributos para os setores de bens de capital, construção civil e semicondutores.

As palavras de Gomes de Almeida foram consideradas deselegantes e causaram mal-estar não só no Ministério da Fazenda como também em outras áreas do governo. Ao sair do ministério ontem à noite, o secretário não quis comentar a reação do ministro. Questionado se pediria demissão fez um sinal negativo com a mão. O incidente que provocou, no entanto, obrigou Mantega a tentar um contato telefônico com Furlan, para conversar sobre as declarações do secretário. Furlan, que tirou férias até o final da próxima semana, não foi encontrado, segundo o ministro da Fazenda.

Segundo alguns assessores,Gomes de Almeida quis ter uma ação preventiva. Tentou descartar a desoneração na expectativa de conter o movimento de formação de estoque especulativo nos setores supostamente beneficiados pela medida. A preocupação do secretário, segundo essas fontes, foi a de evitar que as empresas suspendessem suas encomendas às fábricas para esperar pela queda de preço que seria provocada com a redução dos impostos. Não foi feliz e sua demissão está sendo considerada no ministério.

O ministro Mantega, minimizou a possibilidade de demissão. "Não é o caso de uma medida extrema." Mas o fato é que o comportamento do secretário tem se caracterizado pelo descompasso. "Ele tem tido um comportamento fora do tom", admitiu um assessor, para quem Gomes de Almeida não deveria ter falado de temas que não são da sua competência. "Cada macaco em seu galho", disse essa fonte.

A preocupação de Mantega foi a de desfazer interpretações de que, neste momento de campanha eleitoral, o governo esteja enfrentando confronto entre ministros. A assessoria do Ministério do Desenvolvimento não quis se pronunciar sobre o bate-boca. Os assessores de Furlan não optaram pela via do confronto porque identificam em Gomes de Almeida um aliado. O secretário, antes de ir para o governo, atuava no Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), responsável pela elaboração de estudos em favor das reivindicações do setor industrial.

Na entrevista ontem pela manhã, Gomes de Almeida demonstrou insatisfação com informações de que o governo estaria preparando medidas de corte de tributos para diminuir o impacto de um eventual aumento da carga tributária do País. "Não é para compensar o aumento da carga tributária. Não tem nada a ver."

A Receita Federal já concluiu o estudo sobre o comportamento da carga tributária no ano passado, mas não deve divulgá-lo antes das eleições. As análises de economistas da Unicamp, no entanto, evidenciam que, pelo segundo ano consecutivo no governo Lula, a carga tributária bateu recorde.

Com o argumento de que a restrição fiscal no Brasil é "muito grave", Gomes de Almeida afirmou que novas desonerações só ocorrerão se houver a compensação com aumento de outros tributos. "De antemão, asseguro que não haverá desoneração. A não ser uma coisa marginal e com compensação, um toma-lá, dá-cá." Ele negou que a Fazenda esteja estudando zerar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para outros itens de bens de capital e, nas medidas de incentivo à construção civil, segundo ele, "o forte" é a melhoria da regulação e não a desoneração tributária.

Mantega disse ao Estado que essas medidas devem ser anunciadas dentro de duas semanas e seu secretário confirmou a adoção do crédito consignado para a compra de imóveis.